Advogados contra estatuto

Está a gerar polémica a proposta de lei para um novo estatuto dos advogados apresentada pelo Ministério da Justiça. A bastonária Elina Fraga já reuniu duas vezes com os dirigentes da Ordem para tentar fazer alterações ao documento e já tem agendada mais duas reuniões extraordinárias até meados de Fevereiro.

O objectivo é chegar a um consenso sobre as alterações a este documento, cuja versão inicial foi entregue há mais de ano e meio ao Ministério de Paula Teixeira da Cruz pelo anterior bastonário, Marinho Pinto, e que foi depois negociada pela sua sucessora. A Ordem considera que a versão apresentada pelo Ministério, no passado dia 5, mantém “erros e deficiências graves” e deve ser “totalmente reformulada”. Por isso, a bastonária Elina Fraga criou duas comissões para fazer o levantamento de todos os “erros”, bem como das alterações defendidas pelos advogados.

“Há muitas críticas ao documento e vamos tentar chegar a um consenso interno”, admite ao SOL um responsável da Ordem, lembrando que será pedido ao Ministério da Justiça um prolongamento do prazo de dez dias que deu à Ordem para se pronunciar.

Sociedades abertas a não-advogados 

O novo estatuto – que adequa as normas que regem os advogados à Lei das Associações Públicas em vigor desde Fevereiro de 2013 – prevê a extinção automática de quase todas as 230 delegações da Ordem, adequando-as às 23 novas comarcas do país. “Só no Algarve, vamos perder oito delegações, comprometendo o apoio aos advogados”, alerta o presidente da Distrital de Faro, José Leiria.

Outro dos pontos mais polémicos do documento é a ameaça ao monopólio dos advogados na propriedade das sociedades jurídicas. Apesar de o novo estatuto impedir que as sociedades portuguesas possam ser detidas por outros profissionais, prevê que possam instalar-se no país sociedades de outros países-membros da União Europeia, constituídas por advogados e não advogados.

“Abre-se assim a porta a sociedades que oferecem um pacote de serviços e não apenas de advocacia, como já acontece em Espanha. Isto pode gerar graves situações de incompatibilidade”, alerta ao SOL o presidente da Distrital de Lisboa, António Jaime Martins.

Só um exame para estagiários

A actuação disciplinar da Ordem também pode sair enfraquecida na proposta de lei apresentada pelo Ministério, garantem várias fontes ouvidas pelo SOL. Por um lado, os prazos de prescrição de alguns processos disciplinares vão ser reduzidos de cinco para três anos. Por outro, é criada a figura do provedor dos clientes, com o objectivo de intermediar as queixas contra os juristas e que pode não ser advogado. “Não faz qualquer sentido criar esta figura, pois já existem conselhos deontológicos”, diz o presidente da Distrital de Faro, considerando que, pelo estatuto, este provedor pode fazer recomendações aos conselhos, o que pode ser “uma ingerência na acção disciplinar da ordem”.

Finalmente, o novo estatuto dá resposta a muitas das críticas dos jovens estagiários à forma como a Ordem tem limitado o acesso à profissão: diminui de dois anos para um ano e meio o tempo de estágio e impõe um único exame de agregação para se conseguir a cédula profissional, em vez dos dois momentos de avaliação que até agora existiam. Estas alterações estão longe, porém, de serem consensuais dentro da Ordem.

Também a eleição do bastonário – que passa a ser remunerado se exercer o cargo em exclusividade – terá novas regras: os candidatos vão concorrer a uma segunda volta, sempre que na primeira votação nenhuma lista obtenha a maioria dos votos.

joana.f.costa@sol.pt