Há festa na aldeia

Os minhotos são conhecidos pelo seu carácter alegre e folgazão. E se o preto é vendido como a cor em que se pinta o país, no encalço da imagem do fado – como apregoava a publicidade de uma conhecida marca de vinho do Porto que, no início deste século, invadiu os outdoors das principais cidades…

Muito antes de o punk ter inscrito o rosa velho e o verde alface na paleta das representações choque, já as minhotas os haviam vulgarizado no guarda-roupa do seu dia-a-dia campesino. 
É normal, portanto, que esta alegria e este colorido sejam parte integrante das romarias que, da Primavera ao Outono, têm lugar todos os anos um pouco por todo o território minhoto. Mais: que lhe imprimam uma personalidade distinta, uma espécie de ADN, que faz a romaria minhota diferenciar-se de qualquer outra. 

De facto, embora a romaria seja, por definição, uma peregrinação religiosa a um lugar considerado sagrado, feita por devoção ou para pagar promessas, ninguém no seu juízo perfeito estabelecerá alguma vez qualquer paralelismo entre Fátima e a Senhora da Agonia, por exemplo. 
Uma peregrinação a Fátima é devoção, sacrifício, dor, culto apolíneo em que o corpo é castigado para dar lugar ao êxtase espiritual; pelo contrário, na romaria da Senhora da Agonia, como em qualquer outra romaria minhota, a devoção à Santa é desculpa para a festa pagã, dionisíaca, com o fogo-de-artifício, os cortejos etnográficos, a música, a dança, o namorico, o vinho a rodos, o farnel e toda uma variedade de outros divertimentos populares, que mudam de romaria para romaria. 

Mas se é fácil distinguir uma romaria minhota de outras romarias e peregrinações (e mesmo de outras festas), já não é assim tão claro encontrar e definir as linhas mestras que permitam traçar a essência do que é uma romaria minhota, para lá do temperamento folião dos seus intervenientes. 
Com efeito, após tantos anos de fomento de marcas distintivas, o que pode hoje haver de comum entre a Festa das Cruzes de Barcelos e as Gualterianas de Guimarães, ou entre a Senhora da Agonia de Viana do Castelo e o S. João de Braga, ou entre as Feiras Novas de Ponte de Lima e a Feira da Ladra de Vieira do Minho, para só referir algumas das romarias minhotas mais importantes? 

É esta, certamente, a primeira grande dificuldade que vão encontrar as entidades responsáveis pela promoção das festividades de Viana do Castelo e de Braga para concretizarem a sua propalada vontade de proporem à Unesco a classificação da romaria minhota como património imaterial da humanidade. 
Por exemplo, o S. João de Braga partilha mais características com o S. João do Porto do que com as Gualterianas de Guimarães; e se algo os distingue, para além dos pergaminhos históricos, é o facto de o S. João bracarense, ao contrário do portista, ser efectivamente uma romaria minhota… 
Mas em que é que isso, objectivamente, se traduz? A resposta poderá ser encontrada, mais do que nos grandes festejos urbanos, nas largas centenas de romarias que têm lugar nos mais pequenos e singelos ermitérios de todo o Minho, da Senhora da Fé à Senhora da Peneda.