Neste bairro às portas de Lisboa vive-se entre ratos, cobras e lixo

 Às portas de Lisboa, no bairro de barracas do Barruncho, em Odivelas, meio milhar de pessoas convive diariamente com lixo, cobras, ratos e insegurança, mostrando-se descrente com a possibilidade de vir a ter uma vida melhor

Neste bairro às portas de Lisboa vive-se entre ratos, cobras e lixo

Nas traseiras da escola básica Carlos Paredes, na freguesia da Póvoa de Santo Adrião, concelho de Odivelas, situa-se uma das principais entradas para o Barruncho, um bairro de construções precárias, que nasceu durante os anos 60.

 

Numa distância de poucos metros, os prédios, que dominam a paisagem da Póvoa de Santo Adrião, dão lugar a centenas de construções precárias, ladeadas por becos estreitos, cobertos de lama e buracos, onde se acumulam toneladas de lixo, "convidando" ao aparecimento de cobras e pequenos roedores.

 

"Da última vez que a junta interveio aqui, tirámos 20 camiões de lixo", conta à Lusa o presidente da União de Freguesias da Póvoa de Santo Adrião e Olival Basto, Rogério Breia (PS).

 

No bairro do Barruncho residem actualmente cerca de 500 pessoas, a maioria originária dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).

 

É o caso da cabo-verdiana Isabel Moreno, de 61 anos, conhecedora das vicissitudes da vida no Barruncho, bairro onde já habita há quase três décadas.

 

"Aqui já nasceram muitos e já morreram muitos. Nunca arranjaram nada. Nem lixo, nem a estrada. Ainda estamos à espera", declara com um olhar resignado, enquanto dá de comer às galinhas.

 

Uns metros mais à frente vive Dulce Almada, de 33 anos, residente no Barruncho há 14 anos. À semelhança da vizinha, lamenta as condições de vida do bairro.

 

"É um bocadinho difícil viver neste bairro. Há mau ambiente, não temos boas condições. Eu quero ter uma boa casa e uma boa vida", afirma sem hesitar.

 

Até que as condições de vida no bairro melhorem, os moradores vão procurando na paróquia local a ajuda mais imediata, nomeadamente ao nível dos bens essenciais.

 

"Desde o início deste bairro que tenho procurado garantir uma presença regular. Hoje existem aqui missas, procissões e uma oficina de orações. Temos também actividades com crianças e uma assistência a nível de alimentos, roupa e medicamentos", afirma o pároco Rui Valério.

 

As carências do Barruncho têm motivado muitas críticas dos partidos da oposição na câmara de Odivelas, nomeadamente da CDU local, que tem realizado várias visitas ao bairro.

 

"Não pode existir, no século XXI, um bairro com esta dimensão e com este nível de degradação de condições de vida em que não há espaço para nada. Para viver, usufruir, ter sonhos e construir projectos de vida", argumenta a vereadora da CDU na câmara de Odivelas Maria da Luz Nogueira.

 

Por seu turno, o presidente da junta da Póvoa de Santo Adrião, Rogério Breia, assegura que a autarquia tem feito tudo aquilo que está ao seu alcance para "suprir" algumas das carências do bairro.

 

"A junta de freguesia pouco pode fazer aqui neste bairro, mas, dentro das possibilidades da junta, fizemos uma zona pedonal há dois meses, numa das entradas", conta.

 

Em 2009, a câmara de Odivelas até viu um projecto para a reconversão deste bairro (Odivelas) ser premiado pelo Europan, mas a ideia "nunca saiu do papel".

 

"Era um projecto que foi feito em pressupostas e circunstâncias que hoje já não se verificam. O custo da sua concretização é de cerca de 33 milhões de euros", justifica à Lusa a vereadora da Habitação da Câmara de Odivelas, Sandra Pereira.

 

Contudo, a autarca assegura que a autarquia está a estudar alternativas "exequíveis", que podem passar por uma candidatura a fundos europeus, no âmbito do novo quadro comunitário de apoio, Portugal 20/20.

 

"Está nas nossas prioridades refazer esse projeto. Há fundos comunitários a que eventualmente poderemos concorrer e é isso que está a ser feito", assegura.

 

A falta de respostas fez com que muitos moradores deixassem de sonhar com uma vida melhor e se resignassem à vida no bairro, como é o caso Nélson Moreira, de 30 anos: "Estou aqui há cinco anos e oiço sempre a mesma coisa. Dizem que isto vai mudar e nunca fizeram nada", atira.

 

O pessimismo deste morador é partilhado pelo vizinho Felisberto, de 24 anos, que se mostra bastante desanimado e descrente no futuro: "Isto é um bairro sem futuro, mas sonhos já os deixei de ter há muito tempo", afirma num misto de desânimo e conformismo.

Lusa/SOL