O que irá na cabeça de Sócrates?

Quem leu alguns livros sobre os serviços secretos americanos, israelitas, soviéticos, ingleses ou franceses – ou a história desses países – sabe que sucessivos governantes desviaram a atenção de factos importantes e incómodos criando outros de menor ou nenhuma importância, deixando o ‘mundo’ a perorar sobre faits divers.

É um clássico dos tempos e quem 'anda' na esfera pública gosta muito de jogar nesse campeonato. Nos últimos tempos, dois grandes temas têm merecido a atenção dos media: o caso BES e a prisão de José Sócrates. Em ambos os casos, os advogados dos 'acusados' tentam por todos os meios desviar as atenções dos 'crimes' que lhes são imputados. Os causídicos e a orquestra de defensores do antigo primeiro-ministro jogam todas as cartas possíveis e imaginárias para desviar as atenções daquilo que é óbvio: Sócrates tem um amigo tão generoso que deve entrar no Guinness, tamanha é e era a sua amizade, emprestando-lhe milhões de euros sem os contabilizar e sem se preocupar em reavê-los…

Na semana passada foi a vez de 'entrarem' em acção dois pares de botas de cano alto e um cachecol do glorioso, que o antigo primeiro-ministro não pode ter na cela, até porque nenhum outro preso beneficia de igual tratamento. Mas por que não podem ter? Porque há regras nas cadeias e uma delas é que os detidos não podem ter objectos com que se possam enforcar. Dir-se-á que Sócrates será a última pessoa no mundo a fazê-lo. É bem provável que sim, conhecendo-se a força do animal feroz, é quase impossível imaginar tal cenário… Bem pelo contrário, até!

Independentemente das botas e dos cachecóis, o que irá na cabeça de um homem que teve o país a seus pés e agora está preso há dois meses sem hipótese de 'mandar' prender quem o prendeu; de frequentar os seus restaurantes favoritos; de viajar para onde lhe apetece; de partilhar os momentos com aqueles de quem mais gosta – família e amigos; de respirar o ar da liberdade? Se para o comum dos mortais não seria fácil estar privado de tudo, imagine-se o que não irá na cabeça de Sócrates. Com um feitio de difícil digestão, o antigo primeiro-ministro deve ter tido muita dificuldade em 'cair' na realidade. Que não manda – apesar dos seus amigos advogados, políticos e jornalistas -, e que terá que se sujeitar às regras, algumas delas que ele próprio ajudou a criar. Não é fácil, de facto.

vitor.rainho@sol.pt