Os caminhos de Belém…

Em nome de razões que a razão desconhece, os media foram já invadidos pelos desabafos dos putativos candidatos a sentarem-se na cadeira de Belém, apesar das eleições presidenciais virem longe e de haver de permeio as legislativas, que hão-de condicionar muita coisa.  

Mais perto, a consulta antecipada na Madeira será um ensaio para aquecer os motores, após o longo e controverso ciclo de governação absoluta de Jardim. Mas não é o futuro político da ilha que excita as cabeças bem pensantes. 
Apesar de os poderes presidenciais já não serem o que eram, é para o palácio cor-de-rosa que convergem os olhares e as conjecturas dos partidos do arco do poder, inspirados nas incontornáveis sondagens, com resultados à medida de todos os gostos.

Se, à esquerda, António Guterres já criou o seu tabu – mergulhando António Costa num inesperado frenesim -, à direita Pedro Santana Lopes não disfarça a sua expectativa de ser tomado a sério.
É seguido, de perto, por Rui Rio, que tem vindo a especializar-se no pódio dos lugares comuns, ressuscitando, juntamente com Costa, a estafada regionalização. 
Mais valia que ambos relessem o que disse Mário Soares, em 2005, ainda sensato, para quem a regionalização «iria criar uma nova classe de políticos, com tendência para retirar poderes às autarquias». Como uma desgraça nunca vem só, o Porto perdeu um autarca que lhe deu jeito e o PSD ganhou um actor errático.

Não menos errático, o actual provedor da Misericórdia há muito que acalenta sonhos radiosos e se acha ungido para voos mais altos. Reconhecem-se-lhe fibra de lutador e textura da borracha. De todas as suas peripécias conhecidas, avulta a efémera e desastrosa experiência que teve, em 2004, como primeiro-ministro.
A crónica é conhecida: Sampaio ofereceu a Santana a oportunidade envenenada. Impreparado, foi a jogo, com o descalabro previsto nos cálculos presidenciais. As eleições antecipadas trouxeram José Sócrates. O país abria a porta ao pesadelo. 
Falho de memória, Santana ainda disse de Sócrates, em Março do ano passado, que «foi um primeiro-ministro com visão em várias áreas».

Percebe-se que o avanço de Santana – ou o de Rio – em direcção a Belém será recebido em júbilo por António Costa, aparentemente às voltas com o recado de Guterres, ao fazer constar que «sou sempre livre de decidir a minha vida». 
Esta declaração de apego à sua liberdade de escolha desencadeou um estranho desassossego em Costa, que desatou a promover, de afogadilho, eventuais candidaturas, de Sampaio da Nóvoa a Jorge Sampaio e a António Vitorino. 

Há mistérios insondáveis na natureza humana. E só a essa luz se poderão entender os ziguezagues do agora líder do PS – tomados por alguns analistas como hábil cortina de fumo -, trocando a discrição das conversas de gabinete pelos palpites na praça pública.
Os mais sérios candidatos reservam-se, todavia – como lhes compete. A prudência ensina-os a não se exporem no meio da algazarra provocada pelo caso BES e pelas novas revelações sobre Sócrates. E estas já deram à costa de alguns meios de comunicação social e da entidade reguladora. Outro 'tsunami'. Que promete estragos.