Lisboa proíbe mas não fiscaliza

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) não tem meios para fazer cumprir as novas regras de circulação de veículos, que impedem os automóveis com matrículas anteriores a 2000 e a 1996 de percorrer vários locais e eixos das zonas centrais da cidade.

“A Polícia Municipal tem formação e boa vontade mas não há efectivos suficientes para controlar uma área tão vasta”, alerta ao SOL o deputado municipal Fernando Nunes da Silva, lembrando que as zonas abrangidas vão desde a Avenida da Liberdade e a Baixa (para matrículas anteriores a 2000) até à zona limitada pela Av. de Ceuta/Sete Rios/Av. das Forças Armadas/Av. EUA/Av. General Spínola/ligação à Av. Infante D. Henrique (para matrículas anteriores a 1996).

Nunes da Silva – que foi o vereador da CML responsável pela aplicação da primeira e da segunda fase desta medida de redução de poluição ambiental, através da criação de zonas de emissões reduzidas (ZER) – lamenta que continuem sem existir mecanismos de controlo de quem não respeita as restrições.

Nomeadamente, lembra que a autarquia também “deixou cair a compra de um sistema de leitura automática de matrículas”. O sistema, que devia ter sido instalado em 11 semáforos da capital, permitiria (à semelhança do que acontece com os pórticos nas antigas auto-estradas SCUT) registar as matrículas dos carros e detectar os que violam a lei. “Este sistema garantiria um controlo aleatório permanente, mas custava três milhões de euros e nunca avançou”, lamenta o agora deputado municipal do movimento Cidadãos por Lisboa.

Só 351 multas em três anos

A falta de fiscalização é patente quando se analisam as multas passadas pelas autoridades. Os dados da Polícia Municipal mostram que,  em três anos, foram multados apenas 351 condutores que circulavam indevidamente nas zonas centrais da cidade. E o número tem vindo a cair apesar de a área abrangida pelas restrições ter crescido: em 2012  foram levantados 202 autos, 50 em 2013 e 87 no ano passado. Este ano (até dia 13) foram 12.

“Não há qualquer controlo. Esta é uma medida para inglês ver” – diz por sua vez o presidente do Automóvel Clube de Portugal (ACP), Carlos Barbosa, que é muito crítico da iniciativa. “Vai prejudicar a vida de 1,5 milhões de automobilistas na capital com carros de matrículas anteriores a 2000 e 1996”, denuncia, acrescentando que a restrição à circulação na Baixa abrange todo os moradores da cidade, à excepção dos que têm dístico de residentes. De fora das restrições ficam os veículos de emergência, da Polícia e de pessoas com mobilidade condicionada, carros históricos (certificados), a gás natural e GPL, militares, de transporte de presos, blindados de transporte de valores e motociclos.

Para o responsável do ACP não há dúvidas de que a medida veio “criar um fosso entre ricos e pobres”, que não têm dinheiro para trocar de automóvel e ficam agora impedidos de circular nestas zonas. A excepção são os veículos equipados com catalisadores ou outros sistemas de redução das emissões certificados pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT). “Muitos destes carros vêem equipados com catalisador no motor, mas duvido que a Polícia tenha capacidade para o verificar”, alerta.

A CML não respondeu às questões levantadas pelo SOL, adiantando apenas que, por enquanto, a fiscalização está a ser feita pela Polícia Municipal, mas que estão a ser estudadas medidas para aumentar as formas de controlo.

Táxis de fora apesar de serem 'principais' poluentes

A CML justifica as novas regras com a necessidade de cumprir os limites ambientais à qualidade do ar impostos por legislação comunitária. Os estudos feitos pela Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa sobre as emissões nas zonas onde a circulação começou a ser restrita em 2012 mostram que houve uma quebra na emissão de poluição na Avenida da Liberdade, mas que continua a haver incumprimentos. “Em 2013, conseguiu-se pela primeira vez respeitar os limites de dióxido de carbono no ar, mas ultrapassamos, ainda que por pouco, o limite máximo das emissões de dióxido de azoto”, diz Nunes da Silva.

Mas, alerta o presidente do ACP, se as restrições reduziram o número de automóveis na Av. da Liberdade, estes desviaram-se para outras zonas da capital,  “aumentando muito os níveis de poluição no Príncipe Real e na Av. Almirantes Reis, por exemplo”.

Por outro lado, os principais poluidores continuam a circular: “Nestas zonas, os táxis são os responsáveis pela maioria das emissões poluentes”, garante Nunes da Silva. “Mas agora a CML prolongou as excepções para estes profissionais, que só em Junho de 2017 irão na prática ficar totalmente impedidos de circular nestas zonas”, lamenta, considerando que também não faz sentido incluir os moradores nas restrições.

Protestos vão sair à rua

Os automobilistas prometem não baixar os braços. Tiago Nunes é o organizador de uma marcha lenta de protesto, marcada através do Facebook, que promete entupir a Avenida da Liberdade na tarde do próximo domingo, dia 1 de Fevereiro Até ontem, tinha mais de 1.800 confirmações. “É uma medida que foi aplicada de forma injusta, pois vai afectar apenas os mais pobres, que não podem comprar um carro novo”, diz ao SOL o organizador.

Para Tiago Nunes, não faz sentido ser a matrícula a determinar a interdição. “Há Porsches a gasolina recentes que são mais poluentes que Renaults Clio anteriores a 2000, mas estes últimos não podem circular”, frisa. Por outro lado, alega, há carros de 1999 que têm exactamente o mesmo motor de carros de 2000, mas para poderem circular os proprietários terão de pedir um certificado ao fabricante de que o motor respeita as regras e depois ir pedir a homologação ao IMT, num processo que não ficará por menos de 100 euros.

Além deste protesto, já corre uma petição pública na internet, pedindo também a revogação da medida.

joana.f.costa@sol.pt