Regionalizar não é desconcentrar

O país dá sinais de querer recomeçar um debate essencial para a estruturação do seu sistema político e administrativo que, no passado, foi infelizmente contaminado pela irracionalidade e pela expressão emocional de algum populismo de várias matizes.

Regionalizar ou não regionalizar é a demarcação entre a reforma política do Estado e a manutenção de uma estrutura orgânica dos poderes públicos essencialmente centralizadora e dirigista, numa lógica de dicotomia entre quem decide e quem executa as opções e orientações gerais do país.

Aminha posição é, e sempre foi, clara. Entendo que o sistema político português só beneficiaria com a regionalização, com a instituição de instâncias políticas e administrativas regionais que, com competências e atribuições próprias, com recursos definidos, melhor e mais eficientemente cumpririam as missões que o Estado moderno deve desenvolver.

A querela é política e os argumentos frequentemente falaciosos. Foi isso, aliás, que conduziu ao fracasso do debate público e ao resultado do referendo sobre a regionalização que ocorreu em 1998.

Quis discutir-se tudo ao mesmo tempo, metendo no mesmo saco o que não se pode confundir. O princípio da regionalização, o seu valor político reconhecido pela generalidade dos cidadãos, o modelo em concreto da regionalização com a sua própria delimitação territorial.

E daí ter-se levado a discussão para os custos, para a complexidade do modelo, para a criação de novas camadas de agentes políticos que só dificultariam a gestão pública, enquanto, do outro lado, se esgrimia a ideia de identidade democrática e de melhor gestão dos interesses dos cidadãos.

Regionalizar é mexer no sistema de poder, é reformar a Administração Central de modo a que haja uma devolução de poder aos órgãos regionais e não uma mera delegação em órgãos desconcentrados. Se queremos ganhar a legitimidade política e a identificação entre cidadãos e poder, só e apenas pela via da regionalização.

É na instituição, pela eleição directa, dos poderes regionais, que se consolida a identificação entre eleitores e eleitos, se fiscalizam politicamente os mandatos e se escrutina a gestão pública.

Se queremos manter um quadro centralizado de poder e uma consequente cultura de desresponsabilização, então é manter o sistema de desconcentração do poder central que hoje domina e que deixa os cidadãos perante uma indecisão: a quem responsabilizar politicamente, quem decide ou quem executa.

As actuais Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) não podem ser ponto de partida para uma alternativa à regionalização. Porque, num caso, trata-se de uma instância eminentemente técnico-administrativa, e, noutro, de uma estrutura político-administrativa.

Penso mesmo que qualquer solução ao conferir legitimidade política, por via da eleição, às CCDR, trará inevitavelmente para o debate o papel de toda a Administração Central desconcentrada.

E aí se concluiria, estou certo, pela inevitabilidade da reforma mais profunda e democraticamente legitimada da criação das regiões político-administrativas consubstanciadas, isso sim, pelo território hoje delimitado pela acção técnica e não política das CCDR.

A coexistência de órgãos regionais (políticos, de decisão e de representação) e das próprias CCDR (instâncias técnicas, de planeamento e coordenação operacional) não espantaria ninguém. Pelo contrário. Induziria lógica no sistema de organização política do Estado e daria sentido e clareza a um referendo sobre esta matéria. 

*Presidente dos Autarcas Sociais-Democratas e da Câmara da Guarda