Grécia sem tempo a perder

Se os resultados eleitorais do passado domingo assustaram a Europa, a rapidez com que Alexis Tsipras arranjou um parceiro de coligação, formou Governo e anunciou as primeiras medidas anti-austeridade, incluindo uma subida de quase 30% do salário mínimo, instalou o pânico.

Grécia sem tempo a perder

A bolsa de Atenas caiu 9,24% na quarta-feira, dia das primeiras novidades. Além do salário mínimo, que passará para os 751 euros, foram anunciadas medidas impensáveis há poucas semanas, como a restauração do 13.º mês para as pensões inferiores a 700 euros mensais ou a abolição de taxas criadas no sector da saúde após a assinatura do memorando com a troika (ver texto ao lado).

As propostas com que o novo primeiro-ministro pretende iniciar «o fim do ciclo vicioso da austeridade» serão votadas no Parlamento helénico na próxima quinta-feira, dia em que o seu novo Executivo será sujeito ao voto de confiança dos deputados. 

Mas se a aprovação interna das novas medidas estará garantida – o Syriza contornou o facto de ter ficado a dois deputados da maioria absoluta aliando-se aos Gregos Independentes, novo partido anti-troika maioritariamente composto por dissidentes da Nova Democracia do ex-PM Antonis Samaras -, a nível externo Alexis Tsipras enfrentará resistência por parte de quase todos os parceiros europeus, incluindo aqueles com quem supostamente teria menos barreiras ideológicas.

É o caso dos sociais-democratas alemães, partido minoritário do Governo conservador de Angela Merkel, cujo líder Sigmar Gabriel tem servido de porta-voz da intransigência germânica: «Não podem ser os vizinhos a pagar as consequências das coisas que o Governo grego faz. Seriam os cidadãos de outros países a pagar a factura e não tenho forma de explicar isso a nenhum trabalhador alemão», disse o líder do SPD antes de referir que considera «muito, muito reduzida» a margem de renegociação dos acordos com a Grécia.

Segurança e estabilidade
Na tomada de posse, Tsipras defendeu que lidera um «Governo de salvação nacional», cujo principal objectivo «tem de ser negociar a dívida». E ao receber Martin Schulz – o presidente do Parlamento Europeu foi o primeiro alto dirigente da UE a visitar a Grécia pós-eleições -, o líder grego garantiu que quer «dialogar com segurança e garantias de estabilidade». 

A primeira negociação será iniciada de imediato em torno das condições que a troika exigirá à Grécia para o pagamento da última fatia dos empréstimos internacionais, que totalizam 240 mil milhões de euros. Diálogo que terá de chegar a bom porto até 28 de Fevereiro, pois a Grécia necessita desse dinheiro para os reembolsos de dívida que se aproximam, incluindo os 3,5 mil milhões que terão de ser amortizados ao BCE até 20 de Julho. 

Pelo meio, Tsipras fará a sua estreia junto dos restantes chefes de Governo da UE no Conselho Europeu de 12 de Fevereiro, onde deverá ser iniciado o debate sobre a renegociação da dívida. Isto é, a possibilidade de se alargarem os prazos de pagamento de dívida e de se reduzirem os juros praticados, pois um perdão parcial da dívida grega, apregoado pelo candidato Tsipras, tem sido ferozmente rejeitado por líderes europeus, principalmente a Norte, como são os casos de Alemanha, Finlândia e Holanda. 

Antes das grandes cimeiras, Tsipras tentará abrir as portas do diálogo com conversas bilaterais e informais com vários dirigentes europeus: depois de Martin Schulz, hoje é a vez do presidente do eurogrupo, o holandês Jeroen Dijsselbloem, visitar Atenas, que também deverá receber em breve o alemão Jörg Asmussen, antigo conselheiro do BCE que serve como secretário de Estado no Governo de Merkel. Antes do seu primeiro Conselho Europeu, Tsipras deverá ainda visitar Paris, após convite do Presidente François Hollande.

Problemas internos

Independentemente das negociações com os parceiros europeus, a Grécia tem limitações internas que poderão condicionar o país o nível de aspirações económicas. Apesar de o país já ter um superávit orçamental primário (excluindo juros), as contas públicas gregas estão em modo de «suporte de vida», considera Joan Feldbaum-Vidra, director de dívida soberana da agência Arc Ratings.

À cabeça dos problemas aparece o sistema financeiro grego. «Três dos seus quatro maiores bancos falharam os testes de stresse do BCE e precisam de mais capital. Os depósitos estão a fugir desde que a votação presidencial falhou em Dezembro, e os cofres públicos não estão em posição de fazer qualquer tipo de resgate para estabilizar o sistema», acrescenta o analista.

Segundo a Bloomberg, desde o início do ano até à semana anterior à vitória do Syriza saíram do país 14 mil milhões de euros, o que poderá fazer com que Atenas tenha de decretar algum tipo de controlo de capitais – limites aos levantamentos e às transferências, por exemplo.

Outro receio é que, perante um confronto demasiado evidente com a Europa leve a que o Banco Central Europeu corte o acesso dos bancos gregos a financiamento – o que na prática provocaria o colapso da banca helénica e certamente forçaria o país a deixar o euro.

Um membro do banco central alemão, Joachim Nagel, já deixou um aviso. Na terça-feira, em entrevista ao diário económico Handelsblatt, afirmou que uma paragem do programa de ajudas europeu em curso teria «consequências fatais» para o sistema bancário do país: «Os bancos gregos perderiam então o seu acesso ao dinheiro do banco central».

Esta semana, os mercados castigaram as acções dos principais bancos gregos, que chegaram a desvalorizar mais de 40%. Os juros dos títulos de dívida pública helénica também dispararam, com o anúncio das primeiras medidas do Executivo de Tsipras.

Onde há espaço de manobra?
Apesar da dívida astronómica que muitos economistas admitem ter de ser renegociada, os empréstimos à Grécia têm períodos de carência. A Grécia tem menos despesas com juros em percentagem do PIB do que Portugal, por exemplo, e a pressão da dívida sobre as contas públicas só se tornará mais premente dentro de alguns anos.

Poderá até haver margem orçamental para algumas das medidas anunciadas – há várias que não têm um reflexo imediato nas contas públicas. A suspensão das privatizações e o aumento do salário mínimo, por exemplo, são pouco relevantes nas contas públicas. Há quem tema um aumento do desemprego e da competitividade externa com o aumento do salário – o Syriza argumenta que a recuperação do consumo com mais rendimento disponível irá animar a economia e criar postos de trabalho.

Outras medidas, como electricidade gratuita para os carenciados, a reintegração de funcionários públicos ou o aumento de pensões, já aumentariam os gastos públicos. Resta saber qual o grau de incumprimento das metas orçamentais e se a Europa aceitaria essa derrapagem.

joao.madeira@sol.pt
nuno.e.lima@sol.pt