A revolução grega

O Syriza ganhou como se esperava as eleições gregas e agora vai começar a grande aventura.

Julgo que fui a primeira pessoa a usar há uns anos o termo 'vacina' para caracterizar o que podia representar a experiência grega para a Europa.

Continuo a pensar assim.

Depois de sucessivas ameaças, esta prova tinha de ser feita.

Era necessário subir ao poder num país da Zona Euro um partido que desafiasse abertamente Bruxelas (e Angela Merkel) e dissesse com clareza: “Vamos pôr fim à austeridade e não pagaremos a dívida”.

Só assim se poderá saber o que acontecerá a seguir.

Para já, o Syriza vai continuar a dizer que quer ficar na Zona Euro, tentando fazer chantagem com a Europa.

E esta chantagem terá dois vectores: um económico e outro político.

No plano político, a Grécia ameaçará aproximar-se da Rússia e sair da NATO.

É uma ameaça terrível – e se a Europa ceder neste ponto será um tremendo sinal de fraqueza.

No plano económico, os novos dirigentes gregos vão dizer à União Europeia o seguinte: “Vejam lá naquilo que se metem! Se sairmos será terrível para vocês, porque todas as nossas dívidas ficarão por pagar e a Zona Euro sofrerá um tremendo abalo”.

Ora, neste plano, a chantagem grega tinha há dois ou três anos muito mais condições de sucesso do que hoje.

Porquê?

Porque Portugal e Irlanda estavam sob resgate, e Espanha e Itália viviam dias de enorme incerteza.

Temia-se então que a saída da Grécia provocasse um 'efeito dominó', levando os mercados a lançarem as suas garras sobre outros países do Sul, fazendo-os cair um a um.

Entretanto, porém, Portugal e Irlanda terminaram os seus programas de assistência com sucesso, e Espanha e Itália melhoraram as suas situações.

A Grécia está, pois, mais só: a sua saída não terá a repercussão que há uns tempos se temia.

Assim, a Europa está hoje muito melhor colocada para não ceder à chantagem grega.

Direi mesmo que o problema se põe ao contrário: a cedência teria muito mais custos do que benefícios.

Se a União Europeia cedesse, abriria uma caixa de Pandora que nunca mais conseguiria fechar.

Se perdoasse boa parte da dívida à Grécia, se aceitasse rever os limites do défice, enfim, se deixasse os gregos desrespeitar todas as regras da Zona Euro – deitando as reformas ao mar e regressando ao tempo das vacas gordas -, a União Europeia nunca mais conseguiria pôr ordem na Zona Euro.

Nunca mais poderia multar um país por não cumprir o Tratado Orçamental, nunca mais poderia impor o pagamento das dívidas soberanas, nunca mais conseguiria fazer respeitar a disciplina orçamental.

E, se isto acontecesse, seria o fim da moeda única.

O euro implodiria.

Até porque as opiniões públicas dos países 'contribuintes líquidos' revoltar-se-iam – recusando-se a pagar para outros gastarem.

Sendo impensável a Europa ceder às exigências gregas, resta a outra hipótese: a Grécia sair da Zona Euro e, eventualmente, da União Europeia.

Diz a extrema-esquerda que o povo grego tem todo o direito a decidir o seu destino e ninguém pode penalizá-lo por isso.

Claro que tem – mas também tem de assumir as consequências das suas escolhas.

Quem está numa comunidade de países tem regras a cumprir; se não quiser cumpri-las, deve sair.

Ora, ao darem a vitória ao Syriza, ao votarem num partido que ameaçava não respeitar os compromissos financeiros do país, os gregos sabiam que iam colocar a Grécia numa trajectória revolucionária.

Na Grécia houve uma espécie de revolução através do voto (um pouco semelhante ao que sucedeu há muitos anos no Chile com Allende).

Por isso digo que no domingo, dia 22, os gregos iniciaram uma grande aventura. 

Se a Grécia sair do euro, como não haverá ninguém que lhe faça empréstimos (a troika era a única 'entidade' que estava a financiá-la), começará a não ter dinheiro para nada.

Até porque as grandes fortunas e as grandes empresas começarão a fugir do país, e os pequenos aforradores continuarão a tirar os depósitos dos bancos.

Sem dinheiro nos' cofres do Estado, sem dinheiro nos bancos, sem ter quem lho empreste, qual será o futuro da Grécia?

Poderá começar a imprimir notas à louca – mas isso fará o dracma cair em flecha e os salários das pessoas baixarem drasticamente.

Em pouco tempo, a Grécia poderá tornar-se a Venezuela da Europa (sem petróleo) – e Alexis Tsipras o Chávez europeu, desafiando o poder dos alemães como o líder da Venezuela desafiou o poder dos EUA.

Mas estarão os gregos prontos para isso?

Ou, quando a miséria apertar, aqueles a quem o Syriza prometeu baixar os impostos e aumentar os salários começarão a revoltar-se?

Aí, a guerra civil latente há uns anos degenerará em guerra aberta.

E ou me engano muito ou tudo acabará numa nova ditadura militar.