Furtos de carros rendem milhões

Estacionou o carro na rua? Fique atento porque pode ser rebocado por estranhos e desaparecer sem deixar rasto. Todos os anos são furtados milhares de veículos no país – um negócio que rende milhões de euros – e há quem recorra aos métodos mais surpreendentes para o fazer. 

No dia 30 de Setembro de 2013, em Sintra, a PSP deteve em flagrante um homem que se preparava para rebocar quatro carrinhas. Tinham como destino a Bélgica, onde, através do porto de Antuérpia, seriam despachadas para a Guiné. Quando os agentes analisaram os documentos apresentados pelo funcionário da empresa, perceberam que eram meras fotocópias e que as características das viaturas não correspondiam às matrículas. 

O reboque em plena via pública é «um processo 'limpo'» que não levanta suspeitas a quem passa. «É perfeitamente normal um carro avariar na rua e ser rebocado para reparação», disse ao SOL o comissário Nelson Ribeiro, da Divisão de Investigação Criminal (DIC) da PSP de Lisboa, explicando que muitos destes automóveis são entregues para abate ou exportados para o continente africano. 

Rebocados por sucateiros e exportados para África 

Ao porto de Antuérpia chegam diariamente centenas de carros antigos oriundos de vários países da Europa – sendo comum avistar diversos camiões com matrículas portuguesas -, que têm como destino países africanos. A PSP sabe que estes furtos constituem modo de vida e são praticados, na sua maioria, por sucateiros 'contratados' por intermediários que tratam do transporte e da exportação. Quando o furto é consumado e o carro entregue ao intermediário, a matrícula e número de quadro são rapidamente alterados de forma a ser expedido com documentação falsa. 

Mas há quem faça escolhas cirúrgicas: «Rebocam carros com sinais evidentes de abandono e degradação e entregam-nos para abate para ficar com as receitas», diz o oficial da DIC, acrescentando que este fenómeno intensificou-se a partir de finais de 2011, quando começaram a ser valorizados os metais não preciosos. 
A PSP não demorou a reagir e, desde então, reforçou as acções de fiscalização de reboques durante a noite (período em que ocorrem mais casos). «Sempre que detectarmos um reboque a carregar ou a transportar carros, a ordem é para inspeccionar: pedir os documentos da viatura e saber quem deu a ordem de reboque», refere Nelson Ribeiro. 

O furto de veículos está, ano após ano, entre os dez crimes mais participados. Em 2013, as autoridades registaram 14.762 casos em todo o país – só em Lisboa, a PSP recebeu 3.393 denúncias. Ao que o SOL apurou, nesse ano, os furtos ocorridos na capital representaram cerca de 14 milhões de euros. No ano passado, estão contabilizados cerca de 13 milhões de euros em prejuízos. Em 2011, este crime tinha custado 23 milhões (3.833 carros furtados) e no ano seguinte 21 milhões (3.548 furtos). 

«As próprias marcas vão-se adaptando e reforçando os mecanismos de segurança», observa o investigador da PSP. O que explica a descida progressiva dos valores nos últimos anos.

Há, porém, autênticos profissionais a actuar neste meio e que estão por trás de furtos muito mais sofisticados, com recurso a meios tecnológicos. Tudo passa por manipular a centralina (o 'cérebro' do carro, que comanda todas as acções): «Estroncam a fechadura e, através do capô, acedem à centralina. Depois alteram toda a informação aí contida, através de um dispositivo informático ligado a um computador (bastando um programa da marca para o fazer)», explica Nelson Ribeiro, exemplificando: «Se reprogramarmos a centralina com os códigos de uma chave nova, o carro é posto a trabalhar com essa chave como se fosse a verdadeira». 

Portugueses ligados ao meio informático e mecânico 

Mas também há casos em que a centralina original do carro é pura e simplesmente substituída por outra, que traz consigo uma chave própria. 

Em Novembro de 2011, por volta das dez horas da noite, em Carnide, dois homens preparavam-se para substituir a centralina original do carro por outra previamente descodificada, quando foram surpreendidos por agentes da PSP. A marca do carro analisou mais tarde a placa apreendida aos ladrões e confirmou que estava desbloqueada, o que permitiria accionar o carro de forma automática. 

As viaturas topo de gama são o principal alvo destes ladrões – geralmente portugueses (embora a Polícia já tenha identificado grupos oriundos da Europa de Leste), ligados ao meio informático e mecânico e inseridos numa rede mais vasta, que tem como objectivo escoar os carros para o mercado nacional e internacional. 

Cuidado com garagens alugadas 

No entanto, a recuperação destes carros é uma tarefa árdua. É que, apesar de muitos destes carros terem um localizador GPS, os criminosos não descuram os pormenores: levam consigo um inibidor de frequência, aparelho que impede a emissão de sinais de telemóveis e de GPS. «Mesmo que haja um excelente trabalho de investigação, é muito difícil recuperar os carros quando o furto é feito desta maneira, perde-se-lhe o rasto por completo», admite o oficial da DIC.

Se por acaso deixar o carro numa garagem alugada, também deve tomar cautelas. A PSP identificou recentemente um método invulgar. 

Em Novembro de 2013, um homem alugou uma garagem na margem Sul do Tejo onde deixou o carro enquanto foi de férias para o estrangeiro. No dia em que voltou, foi levantar o automóvel, mas nessa noite o carro desaparecera. Iniciada a investigação, a PSP descobriu que algumas peças da viatura estavam à venda num site da internet.

O carro foi entretanto recuperado e os investigadores descobriram que, enquanto esteve parqueado na garagem, um homem, de nacionalidade portuguesa (desempregado de 30 anos), desmontou a chave, retirou-lhe o chip e colou-o junto ao canhão da ignição. No mesmo período, fez uma cópia da ranhura metálica da chave. Com essa segunda chave, é possível pôr o carro a trabalhar, porque está lá o chip da chave original. 

sonia.graca@sol.pt