Pontapés

O namoro de Ronaldo, que agora terminou, sempre me pareceu uma ilusão. Posso dizê-lo hoje mais abertamente, pois já não corro o risco de magoar ninguém.   

Um namoro e um casamento chegaram ao fim. O namoro acabou no derradeiro dia de 2014, o casamento terminou há um ano. Mas sobre este último têm vindo agora a público novos dados.
Escrevi crónicas diferentes sobre ambos os temas, já lá vai muito tempo, sendo difícil prever na altura que eles pudessem vir a estar associados num mesmo texto. De facto, o que há de comum entre um respeitável professor catedrático, ex-ministro da Cultura, ex-representante de Portugal na Unesco, e um jogador de futebol? Nada. Já entre as personagens femininas das duas histórias há pontos de contacto. A ex-mulher do ex-ministro é apresentadora de televisão, a ex-namorada do jogador de futebol é modelo. Duas mulheres, portanto, ligadas ao mundo do showbusiness.

Nos anos 80, houve um romance que encantou o mundo e encheu durante anos as páginas dos tablóides e das revistas cor-de-rosa: a relação amorosa entre o mágico David Copperfield e a modelo alemã Claudia Schiffer. Ambos eram famosos, bonitos e as fotos dos dois juntos ficavam bem em qualquer publicação. Era um conto de fadas dos tempos modernos. Mas, logo que Claudia abandonou as passerelles, nunca mais se ouviu falar da relação. 
Sempre me pareceu que o namoro de Ronaldo tinha a ver com este. Era mais uma relação para inglês ver, para dar boas fotografias, do que para entusiasmar qualquer dos membros do casal. Ronaldo e Irina pouco tempo estavam juntos – e, quando isso acontecia, tinham uma multidão de jornalistas por perto, ficando a ideia de que apenas se juntavam para alimentar os media, porventura cumprindo acordos comerciais.

Lembro-me de umas imagens que apareceram em tempos não muito longínquos nas revistas do coração com títulos do género: «Ronaldo e a namorada divertem-se no deserto». Nas imagens viam-se Ronaldo e Irina Shayk montados numa moto 4 – e, à volta deles, um batalhão de jornalistas, certamente informados por assessores de imprensa do casal. Aquilo tinha todo o aspecto de uma encenação. Os namorados quando vão ao deserto querem estar sozinhos – a beleza do deserto é, aliás, essa: viver aquela grandiosa solidão. Estarem lá rodeados de jornalistas é uma aberração, só explicável por compromissos publicitários. E percebia-se que se tinham juntado expressamente para aquele efeito. 
Perdoem-me Ronaldo e Irina se estou a ser injusto para com os seus sentimentos, mas foi assim que eu vi aquele 'namoro'. Por isso, acho que a separação não foi muito dolorosa. Nunca vi nenhuma foto dos dois onde se detectasse um olhar apaixonado, onde se percebesse o amor, onde se visse sequer calor humano. Eram dois seres juntos para encantar os media mas com poucos laços entre si. 
E, nessa relação, quem ganhou mais foi Irina. Sem ela, Ronaldo seria o mesmo futebolista que é; sem ele, ela dificilmente teria a fama que tem hoje e conseguiria os mesmos contratos.

Já a relação de Manuel Maria Carrilho com Bárbara Guimarães era completamente diferente. 
Confesso que também tive inicialmente algumas dúvidas relativamente àquele casamento. Porquê? Porque Carrilho revelava uma atracção evidente pelo marketing, levando-me a pensar que o enlace com uma estrela da TV pudesse ser uma operação de charme numa altura em que ele ainda era ministro.
Alguns factos alicerçavam as minhas suspeitas. 'Negociei' com Manuel Maria Carrilho a publicação das fotos do seu casamento na revista do Expresso – e a preocupação excessiva que ele mostrou com o assunto (exigindo, por exemplo, que as fotos fossem a preto e branco, porque isso lhes dava um toque 'intelectual', e querendo controlar o modo como eram publicadas, deslocando-se propositadamente à redacção com esse objectivo), podia levar a pensar que se tratava de uma operação de marketing político.
Mas o que fui sabendo depois sobre a sua vida de casados e o modo como Carrilho falava de Bárbara levaram-me a mudar de opinião. Aliás, várias fotos do casal mostravam o olhar embevecido de Bárbara em direcção ao marido, sugerindo que o casamento era mesmo para durar! 

Foi assim com verdadeira surpresa que recebi a notícia da ruptura, acompanhada de acusações de maus-tratos. Maus-tratos que vieram agora a público em toda a sua dimensão – e que mostram até que ponto se pode deteriorar a relação entre marido e mulher. 
Devo dizer que as acusações constantes do processo de violência doméstica que neste momento corre na Justiça são de uma brutalidade tal que até custam a ler. 
Segundo o processo, o ex-ministro agrediu várias vezes a mulher «a soco e a pontapé», indo a seguir buscar a filha para lhe dizer, apontando para a mãe: «Olha, Carlota, queres ficar com esta mãe maluca?». Carrilho chegou mesmo a ameaçar matar a família toda à facada e depois suicidar-se. «Eu mato-me depois de te matar a ti e aos nossos filhos». 

E à violência física e ameaças de morte somava-se a tortura psicológica, de uma maldade que faz doer. Um dia entrou na casa de banho e começou a fotografar a mulher nua à saída da banheira, dizendo-lhe: «Estás velha, já ninguém te quer!». E quando esta o mandou ir ver sites pornográficos, ele respondeu: «Quem vai para os sites pornográficos és tu. Já foste apanhada!». E insistia que a mulher estava gasta e já não entusiasmava ninguém.
Uma vez que Bárbara saiu de casa, após mais uma agressão, Carrilho perguntou-lhe no regresso se tinha ido «fornicar». 
Ora, bem, após algumas destas cenas escabrosas, Manuel Maria Carrilho punha-se de joelhos, pedia-lhe desculpa e garantia-lhe que iriam «passar uma esponja» sobre os maus momentos. É difícil descer mais baixo numa relação.
Sucede que o homem era useiro e vezeiro nisso, como se prova pelas declarações de um filho produto de outro casamento. Este, dizendo-se hoje traumatizado pelas patifarias que viu o pai fazer à mãe, aconselhava assim Bárbara Guimarães: «Eu vivi tudo isso com a idade do teu filho Dinis Maria e ficou comigo para sempre. Tem isto em conta. Outro menino a ficar marcado para a vida com cenas macabras, não, por favor».

Enfim, uma tremenda vergonha! E pessoas como esta governaram Portugal. Pessoas como Carrilho, como José Sócrates, como Armando Vara (que só reconheceu uma filha depois de a criança fazer seis anos).
Ao menos, Ronaldo, pertencendo a uma família muito pobre e pouco culta, não tendo andado na universidade, nem feito doutoramentos ou publicado livros em francês, só dá pontapés na bola (e nos adversários, como sucedeu no último sábado) – mas não nas mulheres. Irina nunca se queixou. 

jas@sol.pt