Crudívoros: não é moda, é um estilo de vida

Teresa Oliveira deixou de comer carne há cerca de 15 anos. Foi o primeiro passo em direcção à alimentação crudívora que faz hoje, mas na altura isso não fez dela vegetariana. Passou apenas a eliminar das suas refeições proteína ‘vermelha’, porque começou a fazer-lhe «muita confusão a forma como os animais são tratados». Gradualmente foi…

Os crudívoros acreditam que o segredo para uma vida longa e cheia de saúde está na alimentação. E o cru é mais saudável, defendem, porque a acção do calor destrói os nutrientes e as enzimas naturais dos alimentos. Para o mesmo número de teorias que asseguram que os alimentos crus são mais saudáveis, há outras tantas teses que defendem os cozinhados, mas Teresa Oliveira garante que «nunca» se sentiu «tão bem», «com uma energia que não tinha antes».

Apesar de este ser um movimento recente em Portugal, nos Estados Unidos a filosofia da comida crua é antiga. Qual é o fã da série Sexo e a Cidade que não se lembra de ver Samantha a engatar aquele que viria a ser seu namorado, Smith Jerrod, quando este era empregado de mesa num restaurante de raw food? O episódio foi transmitido há seis anos e, desde então, são várias as celebridades que aderiram à dieta dos crudívoros. Entre os nomes mais conhecidos destacam-se a criadora de moda Donna Karen, as actrizes Natalie Portman, Demi Moore e Uma Thurman e o actor Woody Harrelson.

Numa entrevista disponível no YouTube, Harrelson comenta que, no início, adoptou a alimentação crua para resolver um problema de saúde. Com Teresa Oliveira passou-me o mesmo. Depois de um intenso ataque de herpes no rosto, e de dois tratamentos dermatológicos falhados, a directora de comunicação começou a pesquisar na internet soluções e foi parar à página Vida em Estado Cru, da naturopata Zlati Dencheva. «Contactei-a, trocámos emails e acabei por fazer um programa alimentar que ela sugeriu». Em semanas, o herpes ficou resolvido, assim como outros problemas digestivos.

A transição para o crudivorismo foi, porém, gradual porque «o corpo tem de se ir habituando aos alimentos crus aos poucos». Os lacticínios foram logo retirados. Seguiram-se todos os alimentos feitos com farinha e açúcar refinados como o pão, a massa, os bolos e por aí fora… Hoje as suas refeições são sobretudo à base de frutas e saladas com vegetais e leguminosas variados. «Sou 80% crudívora durante a semana. Ao fim-de-semana não faço contas».

Um crudívoro vive, então, só de frutas e vegetais? Sarah Maraval, uma das poucas chefes de comida crua em Portugal, garante que não. Além de ser raro alguém ser 100%crudívoro – em especial «num país como Portugal em que a oferta é limitada» -, há uma série de receitas e técnicas para esta alimentação. Sarah tomou consciência disso há três anos, quando foi para a Califórnia tirar um curso «com o guru da raw food, Matthew Kenney».

Antes de descobrir esta academia, a chefe portuguesa também se questionava: «Mas esta gente só come alfaces?». Na Califórnia, onde Kenney – que tem formação clássica de cozinha francesa – forma centenas de pessoas por ano, percebeu que a ementa de um crudívoro pode ser variada. Mas para isso é preciso multiplicar os utensílios de cozinha de que dispomos em casa. Um liquidificador, um robô de cozinha para picar legumes e sementes, uma centrifugadora para fazer sumos e vários tipos de raladores, para transformar, por exemplo, curgete em esparguete, tornam-se indispensáveis. «Um preconceito grande que se tem é o de que não confeccionamos a comida. Não é verdade. Cozinhamos tudo abaixo dos 40 graus com técnicas como vapor ou vácuo», explica Sarah. Como a temperatura mínima dos fornos caseiros é de 50 graus, há outro utensílio que se impõe na cozinha de um crudívoro: um desidratador. «Se quero fazer um pão ou uma panqueca crua faço a base com sementes, germinados ou frutos secos triturados, coloco no desidratador e deixo desidratar».

Tal como Teresa Oliveira, Sarah começou, primeiro, por deixar de comer carne, depois tornou-se vegetariana. Pelo meio fez muitas pausas, porque adoecia ou ficava anémica e era pressionada a voltar a introduzir carne na sua alimentação. Mas quando percebeu que o segredo para ser uma vegetariana saudável é a variedade, nunca mais voltou atrás. «Não podemos dizer que somos vegetarianos se só comemos alface, tomate, massa e batata. É preciso saber substituir e comer todo o tipo de verdes, leguminosas e frutas para ter as vitaminas e nutrientes que precisamos».

Através da sua página no Facebook (The Green Chef Page), Sarah coloca receitas de comida crua e vegetariana, promove workshops e aceita pedidos de consultoria personalizada. Questionada sobre os preços que pratica, não os revela porque diz que «cada caso é um caso». «Há pessoas que me dizem: 'Traz as compras todas feitas porque não tenho tempo ou paciência', há outras que já têm noções de nutrição e só precisam de algumas dicas. Aconselho a que falem com um médico primeiro e, depois, eu ajudo a pôr em prática. Mas há duas coisas que refiro sempre: isto não uma dieta para emagrecer, mas sim um estilo de vida; e há uma vitamina, a B12, que temos obrigatoriamente de suplementar porque só existe nos animais».

Outra dificuldade que um crudívoro enfrenta é o estigma social. «Quando não comia carne ninguém me dizia nada. Hoje é raro o dia em que a minha alimentação não seja tema de conversa», conta Teresa Oliveira, que passou a almoçar todos os dias no escritório dadas as especificidades das suas refeições. Ainda assim, a directora de comunicação acredita que as pessoas estão a ficar mais conscientes de que uma alimentação saudável é meio caminho para uma vida longe do médico. «Não sei se foi por influência minha, mas agora já há um liquidificador no trabalho e é comum ver colegas a fazerem sumos naturais». Sarah concorda: «Cada vez mais há uma consciência de que se não mudarmos a nossa alimentação vamos ficar doentes com aquilo que comemos. O que digo aos mais cépticos é 'experimentem'. Depois logo saberão como se sentem e se este estilo de vida é ou não para eles».

alexandra.ho@sol.pt