A Europa passa pela Grécia

O PE, há meses, tinha diagnosticado a morte da antidemocrática troika. A Grécia fez-lhe o funeral nas eleições de 25 de Janeiro.  

A UE não pode sobreviver com as políticas anti-europeias impostas pela Alemanha. Isso mesmo, ainda antes da vitória do Syriza, já tinham reconhecido a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu: a primeira (sob pressão dos socialistas no PE) apresentando o Plano Juncker para o investimento estratégico que abre caminho à leitura inteligente e flexível do Pacto Orçamental; o segundo, apesar da oposição de Berlim, com o QE contra a deflação e a estagnação, filhas da teutónica austeridade.

Eu torci pela vitória do Syriza para ver afinfar nos talibãs austeritários o murro encaixado por Dijsselbloem, o holandês que preside ao Eurogrupo, na conversa com Varoufakis, seu novo colega grego. Mas também comecei logo a vislumbrar o que há-de deitar a perder o Syriza: o próprio Syriza! Com a falta de princípios que lhe permite coligar-se com a extrema-direita, fazer governo sem ministras e irmanar-se a Le Pen na vassalagem a Putin. Só espero que Tsipras consiga virar a mesa do 'saloon' no próximo Conselho Europeu: ganharemos na recuperação da UE e nos sacrifícios que pouparemos a gregos e troianos, portugueses incluídos.

Para já, a plasticidade do Siryza serve a destreza táctica de Varoufakis, norteado pelo rumo estratégico da sua 'modesta proposta' para reestruturar a impagável dívida grega: já deixou cair a instrumental exigência de 'perdão', já conseguiu apoios interessados em Londres, Paris, Roma e Bruxelas para obrigar a Europa alemã a negociar. Apesar do golpe, esperado, do BCE anteontem.

Asenhora Merkel e o 'establishment' alemão (SPD e Verdes incluídos) bem podem ignorar mais uma admoestação de Obama e bem podem sentir-se reféns da retórica punitiva que venderam aos seus cidadãos (com a patranha de que pagavam para salvar os perdulários 'pigs', enquanto realmente resgatavam os seus bancos dos seus próprios desvarios). Mas não ousarão desafiar a racionalidade merceeira que reduz a Grécia a uns meros 2% da economia europeia e que induz não convir matar a sua própria galinha dos ovos de ouro – o euro/a UE.

E por isso os mercados já cheiram um acordo com a Grécia que a deixe respirar e crescer para pagar o que deve. A longo prazo e com juros indexados ao crescimento, segundo modelo de reembolso da dívida concedido…à Alemanha, há apenas 70 anos.
«A Grécia quer reformar-se e não continuar a deformar-se» – é a promessa do Siryza, a quem não falta legitimidade e vontade de fazer os mais ricos evasores fiscais pagarem a crise. Gostava que conseguisse. Seria exemplo para Portugal, para além do que beneficiaremos no resto, por tabela.

Por muito que resista Passos Coelho, que desdenha da Grécia e pretende ter reformado o Estado e estarmos «no bom caminho», o do crescimento… do desemprego, pobreza, rendas excessivas e da dívida!
A reforma é precisa e Portugal vai fazê-la. Passos passará. Mas pela Grécia passa, antes, a salvação da Europa.

*Deputada do PS no Parlamento Europeu