O fascínio dos extremos…

Foi tocante o comportamento de boa parte dos media portugueses, com relevo para a imprensa, ao interpretarem a vitória do Syriza como se fosse o dobre a finados da austeridade grega.

Infelizmente, está por descobrir a fórmula de não pagar a dívida, exigindo dos credores que emprestem mais dinheiro sem quaisquer garantias de retorno. E, para desgraça dos gregos, não parece que seja a esquerda radical que a tenha inventado – mesmo com as engenhosas obrigações perpétuas -, de braço dado com uma direita não menos radical, numa estranha aliança.

Esta evidência não persuadiu, contudo, alguns responsáveis editoriais e comentadores de serviço a serem mais cautos. Foi um alvoroço perante a atribulada mudança de cadeiras em Atenas.

A esquerda portuguesa rejubilou e quem se atreveu a dar da realidade grega uma narrativa menos cúmplice, caiu-lhe o Carmo e a Trindade em cima. 

Foi o caso de José Rodrigues dos Santos, enviado da RTP a Atenas, zurzido em estúdio por um exaltado José Manuel Pureza, o bloquista compagnon de route do fracturante sociólogo Boaventura de Sousa Santos na Academia coimbrã.

Descontado um ou outro aspecto acessório, Rodrigues dos Santos limitara-se, afinal, a enunciar, na sua reportagem, o que era do domínio comum sobre a Grécia, para quem não quisesse tapar o sol com a peneira: a pequena e grande corrupção, arvorada em prática cultural; a fuga aos impostos, como atracção popular; as reformas antecipadas aos 50 anos, em nome de actividades de ridículo 'desgaste rápido', além de um funcionalismo público inchado e dormente. 

Sendo esta a estimulante realidade grega, seria de esperar um módico de bom senso na esquerda portuguesa envolvida no chamado 'arco da governação', para não cair em tentações de seguidismo eleitoralista.

Mas não. António Costa não quis deixar o que resta do Bloco a festejar sozinho o êxito do Syriza, e apressou-se a juntar a voz à caravana eufórica, saudando a mudança. Mais tarde, ainda ensaiou recuar. Foi pior a emenda do que o soneto. 

Aliás, um dos mais divertidos episódios do despudorado malabarismo político respeita à fulgurante coligação que Alexis Tsipras engendrou com os 'gregos independentes', xenófobos e antisemitas, cujo único ponto de contacto programático parece ter sido a rejeição da austeridade. 

Em Paris, Marine Le Pen também não se fez rogada e entrou alegremente no baile de roda, perante a chegada ao poder de partidos, como o seu, anti-Europa. 

Por cá, Francisco Louçã, amigo de peito de Tsipras, interrogou-se, por escrito, num artigo publicado no Expresso, sobre a forma como o líder marxista do Syriza responderá à maior de todas as ameaças que é – palpite-se – a União Europeia… 
Depois de abandonar o Bloco à sua sorte, com a unidade em estilhaços, Louçã chegou-se à frente, alinhado com o coro de deslumbrados nos media portugueses, em ferverosa oração diante de um Governo helénico amparado nos extremos.

Há dias, num programa anunciado como espaço de debate na rádio pública, Antena Um, uma jornalista-comentadora intervinha numa bravata, repetindo, sem desfalecimento, que os gregos eram vítimas de uma «catástrofe humanitária». Não lhe ocorreu menos.

Poderia supor-se que a empolgada jornalista falava do esquecido Haiti. Mas não. O terramoto era outro. Era à Grécia que se referia, abalada, pelos vistos, nas últimas décadas, pela ondas de choque provocadas pelas dinastias socialistas do PASOK – agora eclipsados – e pelos conservadores da Nova Democracia, cujo histórico também não se recomenda .

A proliferação em antena destes espaços, mascarados de 'debates', tem estimulado o campeonato da asneira. Nuns casos, procuram fazer humor com coisas sérias. Noutros, fazem humor negro sem darem por isso.

O delírio da extrema esquerda europeia, perante a proeza do Syriza – já com aproveitamentos alucinados do Podemos espanhol -, não augura nada de bom, entre populismos e demagogia. Costuma dizer-se que os extremos se tocam. 

Por agora, o Syriza e os 'gregos independentes' do ANEL dançam o sirtaki das promessas de braço dado, excluindo a troika do seu caminho. 

Se os cofres ficarem vazios – e a vilipendiada Europa não lhes acudir, somando mais milhões aos que já foram derretidos -, não serão os russos amigos, com o rublo em queda livre, que os libertarão do espectro da bancarrota. Nessa altura, talvez o dracma seja o destino fatal. E os coronéis se agitem novamente nos quarteis. 

Como os gregos não costumam ser adeptos dos brandos costumes, compreende-se que Tsipras já aparente uma certa moderação desengravatada, em contraste com a incontinência do seu ministro das Finanças, em versão mediática de super-star. Oxalá a 'catástrofe humanitária' não seja um disparate convertido em profecia…