Vítima perde protecção se tentativa de homicídio for julgada fora da violência doméstica

Uma tentativa de homicídio, julgada enquanto tal, ainda que cometida em contexto de violência doméstica, retira protecção às vítimas, alertou hoje uma juíza do Conselho Superior da Magistratura, pedindo que essa “perversidade” da lei seja corrigida.

O alerta foi feito no decorrer da audição parlamentar sobre "Avaliação das Leis de combate à violência doméstica/violência de género", na subcomissão da Igualdade, onde hoje foram ouvidas três procuradoras do Conselho Superior do Ministério Público e uma juíza desembargadora do Conselho Superior da Magistratura.

Perante os vários deputados, a juíza desembargadora Teresa Féria alertou para "uma perversidade grande", à qual "convinha ser prestada atenção".

"Se, por exemplo, no contexto social de violência doméstica, uma determinada vítima sofrer uma tentativa de homicídio e o processo for tramitado como tentativa de homicídio e não como crime de violência doméstica, essa vítima não usufrui de nenhuma das medidas previstas na lei n.º112", apontou a juíza desembargadora do Conselho Superior da Magistratura.

Segundo Teresa Féria, comparando uma vítima que seja espancada e outra que seja alvo de tentativa de homicídio, a primeira tem um tratamento penal superior, "o que é uma perversidade completa".

A procuradora Fernanda Alves, do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, apontou que os quatro magistrados e os oito agentes policiais que estão dedicados em exclusivo à investigação dos crimes de violência doméstica são poucos para tanto trabalho.

Sublinhou que o auto de notícia e a ficha de avaliação de risco "não são suficientes para a aplicação da medida de coacção", tendo em conta que os juízes precisam de ouvir a vítima e fazer uma recolha rápida da prova.

Defendeu que seja feito o cruzamento entre a informação da ficha de avaliação de risco e o auto de notícia e que a vítima seja ouvida no mais curto espaço de tempo, de modo a minimizar o hiato de tempo entre a apresentação da queixa e o encaminhamento para o DIAP.

Segundo a procuradora, a 7.ª Esquadra de Investigação Criminal, departamento da PSP responsável pela investigação dos crimes de violência doméstica, tratou, em Janeiro, 34 inquéritos com risco baixo, 35 com risco médio e 28 com risco elevado.

Por outro lado, em matéria de aplicação de medidas de coacção, foram aplicadas duas prisões preventivas e sete medidas de afastamento de residência.

"A média mensal de entrada de inquéritos de violência doméstica, durante o ano de 2014, foi de 190 inquéritos. A 7.ª secção recebeu, entre 01 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2014, 2.360 inquéritos de violência doméstica", revelou Fernanda Alves.

Em relação aos processos que foram remetidos a julgamento, relativamente a 2014, a procuradora adiantou que houve 68 condenações, cinco com pena de prisão efectiva, duas delas relativas a homicídios conjugais.

Por seu lado, a procuradora Teresa Morais, do DIAP do Porto, adiantou que, nos últimos oito meses, deram entrada 1.148 inquéritos, de que resultaram 2.983 diligências; foram sinalizados 450 processos de carácter especialmente urgente, emitidos 123 mandados de detenção, fora de flagrante delito, e aplicadas 15 prisões preventivas.

A procuradora Helena Gonçalves, chefe de gabinete da procuradora-geral da República, destacou o aumento do número de medidas de protecção de teleassistência, que passaram de menos de 20, em 2012, para 302, em Fevereiro de 2015.

Lusa/SOL