Enriquecimento injustificado

“Mais um que se forrou!” é a exclamação, cheia de raiva impotente, quando surge mais um que enriqueceu sem se saber donde, melhor dizendo, suspeitando-se donde. E por isso é de louvar a iniciativa tomada na anterior legislatura, e agora recuperada, de criminalizar o enriquecimento ilícito.

Isso mesmo assinalei, nas três vezes que, entre 2010 e 2012, fui ouvido sobre o tema na Assembleia da República, enfatizando, mesmo, que, a prosseguirem naquela via, os projectos seriam chumbados, como foram, no Tribunal Constitucional, e que os partidos proponentes se colocavam na posição da avó dos 'Feios, Porcos e Maus', que dizia ao neto: “Andas à procura de emprego e a pedir à Virgem para não encontrares”! 

E apontei um caminho, o do enriquecimento injustificado, fazendo chegar ao Parlamento um texto com um projecto completo.

É que, perante a generalização do “mais um que se forrou”, justifica-se o estabelecimento de um dever de transparência patrimonial que impenda, pelo menos, sobre os titulares de cargos políticos e sobre os funcionários públicos, que têm protagonizado as situações geradoras de maior escândalo.

Uns e outros ficariam, assim, obrigados a declarar todo o património que fossem adquirindo, ou apenas detendo, acima de determinada quantia, e que não fosse compatível, seja com o património pré-existente, seja com as suas declarações de IRS; e ainda a fazerem indicação circunstanciada dos termos e meios, incluindo a respectiva origem, da aquisição, posse ou detenção do património declarado. Obrigação que só cessaria cinco anos após o termo de funções.

Quem violasse esse dever cometeria o crime de enriquecimento injustificado e seria punido com pena de prisão. 
O que está em causa nestas situações e no escândalo a que dão lugar não é, efectivamente, o enriquecimento, mas sim o facto de para ele não haver justificação. E por isso há crime, logo que aquele que tenha obrigação de declarar acréscimos patrimoniais o não faz, lesando, com a sua omissão, a paz social.

Razões de equidade aconselham, todavia, a que, nas situações em que a falta de declaração se deva apenas a descuido, o arguido, embora tendo cometido o crime, pois o escândalo já teve lugar, fique isento de pena.

Por aqui se vê que acaba a inversão do ónus de prova: é o Ministério Público que tem de provar a aquisição ou mera detenção acima de determinado valor, o património pré-existente, o teor das declarações de IRS e a não comunicação do acréscimo havido. E ao arguido nada se exige para prova da sua inocência.

Fica, assim, claro que a nova incriminação protege a transparência patrimonial, para com a comunidade, de titulares de cargos políticos e de funcionários públicos; e que a conduta criminosa consiste, precisamente, na omissão do dever de comunicação de acréscimos patrimoniais, fundado naquela transparência.

A designação adequada para a nova incriminação é, pois, a de enriquecimento injustificado, como venho defendendo desde 2009, com a tranquilidade de se saber que abrange todas as situações do denominado crime de enriquecimento ilícito; e de que, quase sempre, um enriquecimento injustificado esconde um enriquecimento ilícito.