Óscares 2015. Birdman: Vozes de pássaro chegam ao céu

Sendo esta uma obra de Alejandro G. Iñárritu (nomeado para melhor realizador), podia ser sobre a miséria humana, ponto final. Mas com Birdman, o cineasta mexicano foi mais longe. Este é um filme sobre a miséria humana, ponto e vírgula. É também sobre um actor, um super-herói, um pai, um namorado, um ex-marido, enfim, uma pessoa insegura igual a…

Michael Keaton (na melhor representação da sua vida e que lhe valeu uma nomeação) é brilhante no papel de Riggan Thomson, o actor angustiado com a perda de popularidade, que só procura aplausos por confundir admiração com amor.

‘Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)’, parece filmado de uma só vez, sem cortes ou pausas para respiração. Mérito do director de fotografia Emmanuel Lubezki (que pode repetir o Óscar do ano passado), mas também da elegante e ousada coreografia do elenco que fez cenas de 12 minutos seguidos, sem interrupções.

Não é um plano-sequência de duas horas, mas é quase. Os cortes só existem entre ‘actos’ e a trama desenrola-se no Teatro St. James, na Broadway, nos bastidores e em palco. As filmagens demoraram apenas dois meses, mas com um orçamento de 18 milhões de dólares também não dava para muito mais.

A primeira imagem dá o tom ao resto do filme. Riggan Thomson (Michael Keaton) é um Ícaro patético. Um Ícaro de cuecas que aparece a levitar no seu camarim e a movimentar objectos com a mente. Uma cena que opõe a fragilidade de um corpo já velho e cansado com o superpoder da telecinesia.

Caído no esquecimento, Riggan quer à viva força salvar a sua carreira – que ficou pelas ruas da amargura após ter recusado em 1992 interpretar o papel do super-herói Birdman pela quarta vez – com uma ‘empreitada’ teatral, na qual vai adaptar, encenar e protagonizar o conto ‘Do que Falamos Quando Falamos de Amor’, de Raymond Carver.

Mas o caminho não se avizinha fácil para um actor de meia-idade assombrado pelo seu próprio alter ego vestido de super-herói alado. Os deuses parecem estar sempre contra os heróis.

Aliás, é para o campo da mitologia que Iñarritu nos parece querer levar. Veja-se o paralelismo quase incontornável entre Riggan/Birdman e Ícaro – figura da mitologia grega que estava presa num labirinto e que para conseguir fugir ‘construiu’ umas asas de cera, que derreteram por este ter ignorado os conselhos do pai e voar demasiado perto do sol.

Birdman está repleto de associações com as quais o realizador brinca, numa linha ténue entre a realidade e a ficção. A personagem principal foi criada pelo cineasta mexicano, que também assina o argumento, a pensar especificamente em Keaton, também ele com uma carreira que já tinha tido melhores dias. Dias esses em que vestia o seu fato justo de Batman, um papel ao qual recusou voltar pela terceira vez, depois do segundo filme em 1992, exactamente o mesmo ano em que saiu o último Birdman.

Mas a fábrica de coincidências que é o cérebro de Iñárritu não se fica por aqui. A personagem de Edward Norton, nomeado para actor secundário, foi pensada como uma sátira à sua própria reputação de ser temperamental e abrasivo nas filmagens.

O grande Norton, também ele um ex-super-herói (Hulk), faz de actor brilhante com quem Riggan tem de dividir a cena em palco. É nessa altura que as palavras do seu alter ego Birdman: ‘Isto do teatro é uma treta’, soam mais alto.

Ao contrário da personagem de Riggan Thomson, Mike Shiner está em alta e é apaludido quer pela crítica quer pelo público, o que lhe dá o privilégio de poder dizer uma das melhores (e são muitas) deixas do filme: “A popularidade é a prima rasca do prestígio”.

No entanto, vista à lupa a sua vida não é assim tão invejável. Este actor de método entrega-se de tal forma à sua arte que só vive verdadeiramente dentro dela. Um homem que só consegue uma erecção em palco e não na vida real.

Emma Stone, também ela nomeada para papel secundário e também ela brilhante, é Sam Thomson, filha de Riggan, e ao contrário de Birdman, que convida às facilidades e à fama de um fato de super-herói, ela existe para lembrar o protagonista do preço dessa popularidade.

Um pai ausente que tenta estreitar laços com uma filha, acabada de sair de uma clínica de reabilitação, e com gosto para esfregar sal na ferida – ego – de Riggan. Aliás, é Sam que numa conversa com o pai faz o melhor resumo do filme. Quem quiser explicar por que é que Birdman é bom, e mais do que merece o Óscar de melhor filme num ano de cinema particularmente medíocre, basta dizer isto: “Há todo um mundo lá fora em que as pessoas lutam para ser relevantes todos os dias. E tu ages como se elas não existissem! Acontecem coisas num lugar que tu intencionalmente ignoras, um lugar que já te esqueceu. Repara, Quem és tu? Detestas bloggers. Gozas com o Twitter. Não tens sequer Facebook. Tu é que não existes. Fazes isto tudo porque tens um medo de morte, como todos nós, que não interesses. E queres saber a melhor? Tens razão. Não interessas. Não importas. Habitua-te”.

Destaque também para o resto do genial elenco (que ganhou um SAG) Zach Galifianakis como Jake, o agente e melhor amigo de Riggan, Naomi Watts como Lesley, actriz e ex-namorada, Andrea Riseborough como Laura, actriz e actual namorada, e Amy Ryan como Sylvia Thomson, ex-mulher e mãe de Sam.

Quem diria que o realizador de ‘Amores Perros’, ‘21 Gramas’ e ‘Biutiful’ afinal tem sentido de humor?