A Madonna é extremamente importante para a cultura pop e às vezes zango-me comigo por não a amar incondicionalmente. É importantíssima para aquilo que é a cultura pop feminina actual, para aquilo em que se tornou: foi a primeira a fazer tudo. Se há coisa que ninguém pode retirar a Madonna, é esse mérito de ter sido sempre a primeira, de ter desbravado mato, como se costuma dizer.
Tenho-lhe um enorme respeito.
No primeiro parágrafo resumi sem querer o porquê de a Madonna ter gozado do estatuto de super estrela controversa desde sempre.
Foi apontada por Camille Paglia, no ido ano de 1990, como a verdadeira e entusiasmante feminista, como a encarnação da liberdade de expressão devidamente actualizada no contexto sociocultural norte-americano. Como a verdadeira embaixadora do avant-garde, então meio moribundo, depois de uma década de oitenta muito ostensiva e pesada. Apesar da sua perdição pelo homem-macho (veja-se o homem que Madonna evoca e ‘utiliza’ ao longo da sua vida, facilmente confundível com a sua carreira), nunca deixou de ser o ídolo de uma franja de mercado que hoje é reclamada por outras artistas, suas inevitáveis descendentes. Madonna é a responsável pela libertação de muito género, pela liberalização de muita coisa, das mais suculentas polémicas da pop no seu tempo. Só que os tempos mudaram, e se já houve alturas em que foi a primeira a sexualizar tudo à sua volta (um toque de Midas da sexualização), hoje em dia Madonna parece que às vezes desperta vergonha alheia e vive um bocado das glórias do passado.
Parece porquê? Porque a atitude rebelde lhe vem de dentro, lhe é natural. Parece porque Madonna ainda é, aos 56 anos, a menina inconsequente que na cerimónia dos Grammys mostra o rabo a quem quiser vê-lo e não quer saber.
Agora… Será que no contexto actual, faz sentido?
É esta a minha pergunta relativamente à Madonna e ao seu legado, com o qual temos de lidar enquanto a lenda é viva.
Contava-me um conhecido que trabalha esporadicamente para a Madonna, que ela é mesmo assim, que se está nas tintas e que tudo o que vemos é verdadeiro, é real, aquilo a que o público foi habituado a apreender como uma personagem, ela nunca o foi. Madonna é punk.
Dizem os entendidos que Madonna tem tido alguma dificuldade em adaptar-se às novas tecnologias, especialmente às redes sociais e à nova forma de comunicar que estas impuseram à ordem global.
É possível ver que a rainha da pop esteve afastada do seu público durante algum tempo e que isso implicou danos irreversíveis na sua carreira: já não capta novos públicos, é antes tratada como uma deusa no Olimpo da pop, e nota-se que não está satisfeita com isso.
O que é que desejaríamos para Madonna, que é, antes de mais, a lendária performer de ‘Like a Virgin’ ou ‘Express Yourself’? Que é a autora do tão controverso Sex, o livro que abalou os anos 1990? Que é a artista com vídeos absolutamente sublimes, banidos do então melhor veículo de difusão musical, a MTV? Que é uma das mulheres mais livres de sempre?
Por mais que me apeteça fazer piadas com e sobre a Madonna (porque as faço sem pudor, até porque me foi assegurado que ela iria gostar, se as ouvisse), a maior piada, e logo a que acaba por não ter piada nenhuma, é precisamente aquela em que percebemos que não existe, no mundo da pop, lugar para estrelas como a Madonna: maduras, lendárias, antigas e modernas, multifacetadas e com energia de sobra para dar cabo do canastro da rapaziada. Parece que terá de ser a Madonna a criar o seu próprio lugar e a deixá-lo vago para quem vier a seguir. Porque se tem sido essa a sua luta, não será agora que vai terminar. Não conseguimos, ninguém consegue, imaginar a Madonna gorda sentada numa plateia a assistir a uma cerimónia, impassível. Não faria nenhum sentido. Madonna pertence ao palco, pertence aos holofotes, e isso ninguém poderá tirar-lhe. Ela sabe o seu lugar.
Para muitos, é pena.
Mas azar. Nem só do lugar às novas vive o showbizz.
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