Francisco Calheiros: ‘Não sei como sobrevivemos. Foi milagre’

     

Com o fim do Grupo Espírito Santo, a ES Viagens esteve à beira do colapso até ser comprada pela Springwater. Agora a empresa que detém as agências Top Atlântico está a estudar duas aquisições em Portugal e quer crescer em África.

Como correu 2014?

Prefiro começar em 2008. Com o surgir da crise, nos anos seguintes fomos fazendo ajustamentos. Em 2013 fizemos uma reestruturação mais profunda. Limpámos as áreas de negócio que não eram rentáveis. Isso materializou-se num orçamento extremamente positivo para 2014, que foi verdade até Junho. Íamos 600 mil euros acima do orçamento quando se dá a crise no Grupo Espírito Santo. Éramos a 100% detidos pela Rioforte, que faliu, e passámos tempos muito difíceis. Foi talvez a fase mais difícil da minha carreira. Houve dias em que achámos que não chegávamos ao dia seguinte. Lembro-me de entrar no elevador e as pessoas me perguntarem "O que vai ser de nós?". As contas estavam congeladas. Não sei como sobrevivemos. Fizeram-se verdadeiros milagres.

Como por exemplo?

Houve muita resiliência de todos. Cobrou-se como nunca. Tivemos solidariedade de clientes e fornecedores. Senão tinha sido impossível. Facturámos 325 milhões em 2014, face a 338 milhões em 2013. Ficámos marginalmente positivos em resultados líquidos. E fomos a primeira empresa do universo Espírito Santo a ser vendida [ao fundo suíço Springwater Capital]. Foi a 31 de Outubro. Novembro e Dezembro foram para recuperar a imagem que se tinha perdido nos últimos quatro meses, de forma a arrancarmos 2015 completamente novos.

E recuperaram?

Em Janeiro ganhámos 16 empresas como novos clientes. São quatro milhões e 750 mil euros em vendas. Estamos completamente recuperados. Quando tudo foi esclarecido, as reservas voltaram. Não temos problemas de crédito.

Como têm sido os primeiros meses como Springwater?

Está tudo em aberto. Haja negócio e rentabilidade e o accionista quer estudar as hipóteses todas. Tem várias participações na Europa e na área do turismo em Espanha. Estamos a trabalhar para captar sinergias. Há muitos fornecedores comuns e estamos a estudar compras conjuntas.

Poderão fundir marcas, ajustar equipas, despedir?

Não. O grande objectivo da Springwater é valorizar a empresa. E esta empresa, que já tem uma dimensão grande, com 650 funcionários, a desenvolver-se a 2% ou 3% ao ano, já não valoriza muito mais. As aquisições voltam a estar em cima da mesa.

Já estão a analisar algo concreto?

Somos líderes de mercado, mas nos dois últimos anos perdemos quota. Queremos reforçar a nossa posição. E estamos a estudar duas aquisições, de agências de viagens com alguma dimensão. Estamos no namoro, mas ainda nem demos a mão. Provavelmente este semestre teremos notícias.

Há anos que se fala em comprarem a Geostar à Sonae e à RAR.

Faz em Março dez anos da primeira vez que tentámos. Está tudo em aberto. Não digo sim nem não a nada. E também vamos fazer crescimento orgânico, por exemplo, no corporate [turismo de negócios]. Há muitas empresas que gostaríamos de ter como clientes.

Quais serão os outros pilares de desenvolvimento?

Há o Brasil. Já lá estivemos e saímos. É um país que olhamos sempre por causa da língua, das ligações com a TAP, mas que é difícil. E há África.

O que planeiam para África?

Estamos em Angola há dez anos e em Moçambique há três [com as agências Top Atlântico]. Está a correr bem. Começamos a ter uma costela africana. Pretendemos desenvolver os destinos onde estamos e abrir novos. Em Angola e Moçambique gostaríamos de desenvolver parcerias com empresários locais porque conhecem melhor o mercado. Em Angola já identificámos parceiros e estamos a falar com eles.

O líder da Springwater disse que faria mais aquisições em Portugal. A TAP pode interessar?

Zero. Foi falado, mas não se mostraram disponíveis.

Que outras compras podem fazer?

Sei que estão a estudar uma aquisição não relacionada com turismo desde o fim de 2014. Na Springwater acham que há subavaliação dos activos e que é boa altura para comprar em Portugal.

O que espera de 2015?

Depois da reestruturação de 2013, do mau segundo semestre de 2014, estamos à espera de ter o primeiro ano bom. Ou melhor, o primeiro ano normal. Não há razão para que não seja assim. Temos orçamento para 330 milhões e acredito que vamos ultrapassar.

E como será este ano para o turismo em Portugal?

Vai ser um ano complicado por haver eleições. Até Maio ou Junho vai mexer e, a partir daí, campanha eleitoral. Quanto à privatização da TAP, já defendi publicamente o quão a TAP é importante para o turismo português. Privatizada, não privatizada, mista – é igual. O que quero é que seja suficientemente capitalizada para poder comprar equipamentos, aumentar rotas e ajudar o turismo a crescer. Os anos 2013 e 2014 foram bons para o sector, mas os anteriores não foram. Espero que este ano os empresários consigam aumentar preços e ter uma rentabilidade melhor. Hoje, não há razões nenhumas para que 2015 não seja tão bom ou melhor que 2014.

ana.serafim@sol.pt