Acredito em magia, mas não no ilusionismo

Quando eu era criança gostava de espreitar o interior dos livros que havia em casa dos meus pais. Fazia a minha escolha com base nas capas: alguns livros tinham capas que prometiam muito, mas depois acabavam por revelar-se decepcionantes; outros, pelo contrário, continham no interior belas imagens. Como eu ainda não sabia ler, era justamente…

Entre estes, um dos meus favoritos era um álbum alemão de grande formato intitulado Magic Posters – 100 Jahre Zauber-Plakate (100 anos de cartazes de magia). A capa mostrava um homem a tirar moedas voadoras de uma cartola, uma mulher trajada de índia, um globo suspenso no ar e uma espécie de esqueleto dançante, com um gadanho na mão – a figura da morte. Esse livro, que surripiei aos meus pais quando mudei de casa, continua a encantar-me, embora hoje veja essas imagens com outros olhos, provavelmente mais cínicos. Por vezes fazem-me lembrar certos filmes de Woody Allen, também ele fascinado pelo mundo dos mágicos e ilusionistas – um mundo cheio de mistérios e façanhas, mas também de impostores e charlatanismo.
 
Curiosamente, o meu interesse por este universo nunca se estendeu aos espectáculos de magia propriamente ditos. E, quando os vejo na televisão, em vez de achar que estou a assistir a algo extraordinário, sinto apenas que estou a ser enganado.

Ao longo dos tempos, a magia evoluiu muito no sentido das ilusões ópticas, de fazer o público acreditar em qualquer coisa que nunca aconteceu. Tornou-se, parece-me, mais espectacular, mas também mais superficial. Incrivelmente engenhosa, sem dúvida, mas menos rica em enigmas, em prodígios e em símbolos.
 
Nem sempre foi assim. Passo a citar um excerto de outro livro magnífico que adquiri recentemente, Magic. 1400s-1950s, de Noel Daniel (Taschen): “Os ilusionistas pretendiam demonstrar a sua força superior e invulnerabilidade. […] Signora Girardelli colocou óleo a ferver nas mãos para estrelar um ovo para o pequeno-almoço. Chabert, a 'salamandra humana', engoliu ácido sem nada sofrer”.

O que têm estes exemplos de extraordinário? Diria que não apenas a resistência que os autores destas proezas revelam, mas sobretudo o facto de porem em causa aquilo que pensávamos saber sobre os nossos limites. A verdadeira magia, na minha opinião, não é feita de espíritos voadores, caveiras falantes, bolas de cristal ou pessoas serradas ao meio. Vejo-a como algo mais simples e essencial, mas também consideravelmente mais difícil: a arte de explorar as inesgotáveis faculdades do ser humano, esse grande desconhecido. 

jose.c.saraiva@sol.pt