Fim do Ballet Gulbenkian deixou ‘vazio enorme’

Bailarinos e coreógrafos cuja carreira ficou marcada pelo Ballet Gulbenkian, extinto faz este ano uma década, consideram que o fim daquela companhia de dança deixou um “vazio enorme” na criação e oferta cultural do país.

Nos depoimentos recolhidos pela agência Lusa continua vivo um lamento emotivo pelo desaparecimento do Ballet Gulbenkian, criado em 1965 pela Fundação e extinto ao fim de 40 anos de actividade.

"O vazio que deixou é enorme. Perdeu-se uma instituição que tinha uma grande capacidade de emprego. Hoje temos uma série de intérpretes de dança fantásticos que têm de emigrar porque em Portugal não há trabalho", disse à agência Lusa Paulo Ribeiro, o último director artístico da companhia.

Paulo Ribeiro dirigiu o Ballet nos últimos dois anos e foi com surpresa que, em Julho de 2005, recebeu a notícia da administração da Gulbenkian da decisão de extinguir a companhia.

"Na altura foi falado que o panorama da dança em Portugal estava diferente, com uma série de companhias independentes, e a Fundação disse que iria dar-lhes prioridade em apoio e ajudá-las a serem menos efémeras", recordou o bailarino e coreógrafo, que dirige hoje a companhia em nome próprio residente no Teatro Viriato, em Viseu.

No entanto, considera que, passados dez anos, no panorama da dança em Portugal "tudo piorou: "A extinção do Ballet Gulbenkian fez com que a criação coreográfica portuguesa fosse profundamente abalada nas suas fundações".

"De repente o Ballet, que era uma possibilidade de criação enorme e de reposição de reportório, desapareceu. Os excelentes intérpretes que existiam no país saíram e os que se têm vindo a formar também têm de emigrar. A cena independente da dança não teve qualquer melhoria", concluiu.

Paulo Ribeiro diz que mesmo os coreógrafos portugueses de maior nome no estrangeiro – como Olga Roriz, Rui Horta ou Clara Andermatt – "não conseguem manter uma companhia a tempo inteiro".

Olga Roriz, que celebra este ano 40 anos de carreira artística, passou 19 anos no Ballet Gulbenkian, primeiro como intérprete e depois colaborou como coreógrafa.

Ainda hoje recorda o "choque" que sentiu há dez anos quando teve conhecimento da extinção anunciada pelo então presidente da administração da Gulbenkian, Rui Vilar.

"Foi uma grande perda. Uma companhia de dança daquele nível faria sempre falta. Para onde iria não se sabe. Eventualmente não estaria no seu melhor naquele momento, mas sim, foi uma perda, tanto a nível de mercado de trabalho para os nossos novos bailarinos, como para o público", disse à Lusa.

Tal como Paulo Ribeiro, queixa-se da precariedade do trabalho dos coreógrafos e bailarinos em Portugal e, nos últimos anos, embora tenha conseguido um espaço para a própria companhia, deixou de poder ter bailarinos a tempo inteiro.

O bailarino Romeu Runa fazia parte do elenco da companhia em 2005 e recorda que foi "muito duro de aceitar" a extinção porque a companhia "tinha grandes intérpretes e era uma referência internacional".

"Foi tudo muito rápido e radical. Nós não tínhamos a organização necessária para nos podermos defender e cada um seguiu o seu caminho", disse à Lusa, sobre aquele período difícil, lamentando que não tenha havido a hipótese de tentar uma restruturação.

Romeu Runa, 37 anos, esteve oito anos "muito importantes" no Ballet Gulbenkian, a companhia onde sonhava entrar desde os 15 anos.

Depois da extinção saiu do país, tendo trabalhado com vários coreógrafos portugueses e estrangeiros, e actualmente trabalha sobretudo na companhia belga Les Ballets C de La B.

"Falta trabalho em Portugal. O Ballet Gulbenkian era muito forte e levava a dança ao país e ao estrangeiro. O talento e a criatividade existem em Portugal, mas vive-se em modo de sobrevivência", comentou.

Benvindo Fonseca, 51 anos, já não estava no Ballet Gulbenkian no ano da extinção, mas passou ali quase 18 anos dos 30 de carreira artística que completou em 2014.

"O fim da companhia deixou uma lacuna sem igual. Era um trabalho de excelência reconhecido em todo o mundo e um centro de afluência de todo o tipo de artistas que ali se formavam", recordou, apontando que ainda hoje sente "mágoa".

O coreógrafo, que fundou a companhia Lisboa Ballet Contemporâneo, tem trabalhado em Portugal e no estrangeiro.

Lusa/SOL