Os selvagens da bola

O mundo do futebol português tem uma capacidade única de surpreender. Quando se pensava que já tínhamos assistido a tudo, desde jogos com fruta a amigos que se tornam inimigos figadais de um momento para o outro, eis que agora os insultos e agressões verbais tornaram-se normais. Recorde-se só o que aconteceu em Espanha, onde…

Estando fora do país, assisti um dia destes a um debate televisivo onde uma das maiores sumidades do disparate futebolístico dizia, com um ar cândido, que um jogador tinha sido mal expulso, apesar de ter dito da mãe do árbitro o que Maomé não disse do toucinho. “É normal um jogador dizer uns palavrões ao árbitro. Qual é o mal disso?”, questionava, pedindo a aprovação de antigos craques que também estavam em estúdio. Um deles discordou e disse que o jogador em questão tinha sido muito bem expulso. Curiosamente, o homem da bola que recebeu o cartão vermelho no jogo que opôs o Moreirense ao Benfica foi depois para as redes sociais dizer uma série de disparates, utilizando uma linguagem bélica…

Há uns tempos li uma entrevista de Petit, o actual treinador do Boavista, onde este contava um episódio que tinha vivido quando jogou na Alemanha. Ao refilar com uma falta assinalada contra si, protestou em bom vernáculo português. A Federação alemã contratou um especialista em leitura labial – e que percebia português – terminando Petit por ser suspenso por quatro jogos.

Mas lá não deve haver comentadores que acham tudo isso normal. Também por lá os presidentes que instigam à violência são severamente castigados. O que nós assistimos nas últimas semanas, com claques a usarem tarjas e camisolas com escritos a vangloriarem a morte de adeptos adversários, ultrapassou tudo. Pareceu-me que o presidente de um dos clubes foi mais enérgico a condenar a sua claque, mas não devia ter descansado enquanto não expulsasse os adeptos que aplaudem a morte de um adversário. O futebol não pode ser a arena dos tempos modernos. Os ingleses aprenderam isso com duas tragédias, alguns dirigentes portugueses ainda não o entenderam. Ou porque estão reféns das claques ou porque acham que o medo é o melhor jogador…

Este artigo de opinião foi publicado originalmente na edição impressa do SOL de 27 de Fevereiro

vitor.rainho@sol.pt