Registos (VI)

1.Pecado. “Pecámos contra a dignidade dos povos da Grécia, de Portugal e também da Irlanda”, disse Jean-Claude Juncker, o ex-primeiro-ministro do Luxemburgo, presidente do Eurogrupo entre 2005 e 2013, e actual presidente da Comissão Europeia perante o Comité Económico e Social. Reconhecimento tardio, cobarde e nefasto.

2. O mau da fita. É tempo de bater no FMI. A Grécia não o quer envolvido em qualquer programa, no que é acompanhada por muitos outros incluindo, a julgar pelas palavras do primeiro-ministro, Portugal. A Europa para os europeus, parece. Acho que estamos a ser tremendamente injustos. Testemunhei muitas reuniões da troika em Portugal. Os representantes do FMI sempre me pareceram os mais bem preparados, conhecedores e, também, moderados. Aliás, foi do economista-chefe do Fundo a expressão “a  desalavancagem é uma maratona e não um sprint”. A intransigência e obtusidade pareceu-me sempre mais localizada na Comissão Europeia.

3.Tessalónica. Com origem na mesma cidade, entre as duas primeiras epistolas de São Paulo e o programa de reformas que o Syriza  legou ao mundo medeiam dois milénios. Em contraste com as primeiras, o segundo revelou-se escrito na areia e já quase apagado pela brisa do mar. A Grécia submeteu as reformas com que quer persuadir os parceiros europeus a emprestarem mais 7,2 mil milhões até Junho. Apesar do spinning comunicacional (já não existe troika, mas apenas 'instituições'), o Governo do Syriza já recuou em pontos importantes do seu compromisso eleitoral como, aliás, alguns dos seus membros denunciaram. A oposição às privatizações desvaneceu-se e o Governo compromete-se a não reverter os processos em curso; no mercado de trabalho, o Governo que fazia profissão de fé na contratação colectiva e no aumento do salário mínimo volta agora a ter preocupação com a competitividade  e a promete seguir as melhores práticas (des)regulatórias.

4.Cedências. É certo que o Governo grego cedeu. Mas é também claro que o Eurogrupo vislumbra compromissos que na realidade não são seguros. Razão tem o FMI quando se queixa da vacuidade das propostas. Ganhou-se tempo. Como alguém dizia, existem dois tipos de problemas: aqueles que só o tempo resolve e aqueles que nem o tempo resolve. Suspeito que estamos perante um destes últimos.