A batida do Congo

Pedro Coquenão, mentor de Batida, não domina o francês. De todas as limitações linguísticas que tem, esta poderia ser a mais impeditiva para trabalhar com os congoleses Konono N.º 1, fluentes no idioma pelas razões históricas óbvias. “Se fossem suecos não sei como seria”, brinca o músico luso-angolano, enquanto explica que pelo facto de partilharem…

O líder de Batida, que explora na sua música os pontos de contacto entre Lisboa e Luanda, foi convidado para produzir o novo disco do grupo de Kinshasa em Outubro, quando actuou na feira Womex e conquistou os responsáveis da Crammed, editora de Konono N.º 1. As conversações continuaram até ao final de 2014 e, no início deste ano, ficou decidido que os músicos da República Democrática do Congo (RDC) viriam até à capital gravar o álbum.

O primeiro contributo de Coquenão não foi, porém, musical. Depois de mais de um mês em digressão pela Europa, os músicos congoleses chegaram a Lisboa “estoirados” e o produtor achou por bem deixá-los entrar sem pressas no ritmo mais “desacelerado” da cidade antes de arrancar o trabalhar. “Descansaram, passearam, comeram bem. Só depois mergulhámos nas canções que traziam”.

Muito semelhantes às canções dos álbuns anteriores – que registam uma tradição musical com mais de 30 anos, oriunda da etnia kikongo, que tanto existe na RDC como em Angola – Coquenão vê o seu papel na produção como alguém que pode “provocar uma mudança” no som hipnótico, febril e electrizante de Konono N.º 1. “Identifico-me com a música tradicional com distorção que fazem desde os anos 60 e 70, e com o facto de contrariarem a imagem que se cristalizou no Ocidente de uma África parada no tempo depois da independências dos vários países”. Por isso, mais do que influenciar uma mudança, Coquenão quer “enriquecer” as canções dos Konono N.º 1 “com ritmos, instrumentos, melodias” novos.

Um elemento que já funcionou é a bateria electrónica que usa com regularidade em Batida e que incorporou num dos novos temas de Konono N.º 1. E a dikanza, um reco-reco tipicamente angolano, também teve boa recepção. Mas os argumentos para provocar os congoleses e suscitar criações diferentes não são só musicais. Há outro bastante persuasivo. “Vamos almoçar um cozido à portuguesa”, comenta Coquenão com o SOL, ao segundo dia de trabalho.

No concerto 'Konono N.º 1 meets Batida' – hoje e amanhã no Lux, em Lisboa, e no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra, respectivamente – vamos saber se o 'petisco' foi persuasivo. Em primeira mão, a banda congolesa e a luso-angolana vão mostrar ao vivo os resultados do encontro desta semana, num espectáculo que, conhecendo-se os dois projectos, já sabemos que vai fazer suar. E muito. Mas Coquenão salienta: “Estamos na fase da corte. As pessoas vão ver os pais a conhecerem-se antes, sequer, de fazerem o bebé”.

alexandra.ho@sol.pt