Registos (VII)

1. Em viagem. Hoje os registos são escritos em Bogotá. Levado por deveres profissionais  a muitas e variadas geografias, sempre fiz questão de registar nesta coluna as impressões do que vivi e senti. Bogotá não é fácil. 

Certamente, dar-lhe uma hipótese justa é tarefa para mais de três dias. Com as desculpas antecipadas, aqui vão elas. Bogotá não é bonita; em muitos aspectos lembra-me São Paulo, onde edifícios modernos e de qualidade coabitam, paredes meias, com prédios mal concebidos e casas-rasas mal conservadas. Ele existe o Bogotá do norte – moderno, rico e europeizado – e o do sul, o da Candelária -colonial, bolivariano, sujo e, para mim, algo assustador. Paradoxalmente, a norte temos o 'mercado das pulgas' enquanto que a sul o (fabuloso) museu do ouro. No domingo entrei numa tasca na Candelária, atraído por um churrasco de capivara; sento-me e olho para a televisão que transmitia (sem qualquer surpresa) um jogo futebol e não quis acreditar: era o Porto – Sporting. Imaginem: num domingo, em Bogotá, a 100 metros da Praça de Bolívar. O mundo é de facto  global.

2.Terra queimada. António Costa foi crucificado por um discurso que fez perante empresários chineses. Disse que o país está melhor do que há quatro anos. Isto é uma evidência, sobretudo nos aspectos relevantes para investidores estrangeiros. Relembremo-nos de como se discutia, então, a saída do euro. Tal não significa que tudo esteja bem como, por exemplo, o desemprego, a decapitação da administração pública e a dívida pública. Existe, pois, muito espaço para um Governo socialista se diferenciar e, mesmo, fazer melhor. Para tanto não é necessário renegar o que é óbvio. 

3.Contextualização. António Costa foi acusado de 'contextualizar' as suas posições: no contexto A  afirmar X mas no contexto B afirmar Y. Estranho a crítica, pois julgava que é assim mesmo que pessoas moderadas procedem, tanto na vida como, sobretudo, na política. Isto só constitui um problema quando X e Y não são conciliáveis numa  visão coerente das coisas e do mundo, quando não são aspectos complementares de uma mesma narrativa sobre o real. Aí chama-se mentira. Não creio que António Costa o tenha feito. Só os radicais de olhar esgazeado podem responder,  a alhos e a bugalhos, sempre e em qualquer lugar, com o mesmo 'não à austeridade'.