Por cada criança que não dorme há uma família a precisar de ajuda

“Que amor de bebé. Dá boas noites?”. Se é mãe ou pai com certeza já ouviu esta pergunta vezes sem conta, mesmo por parte de desconhecidos. A pergunta não é descabida e a resposta pode ser bem mais complexa do que se imagina. A verdade é que a falta de boas noites de sono tem…

Mas ‘dar’ boas noites de sono estará apenas nas mãos do acaso ou da genética? Estará também, mas não só. De facto, “há bebés que têm muita dificuldade em gerir os padrões de sono desde o primeiro dia”, explica a professora da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica do Porto (UCP), Maria Raúl Xavier. E como “comportamento gera comportamento”, é muito fácil uma família cair numa situação de padrões de sono pouco saudáveis.

“Desde que o meu filho nasceu, nunca mais tive uma noite de sono completa”, queixou-se a mãe de um bebé de dois anos durante uma consulta na Clínica Universitária de Psicologia da UCP. Esta é uma situação frequente entre as famílias com bebés e crianças em idade pré-escolar. São meninos que na hora de dormir fazem birras, pedem mil e uma coisas, querem que os pais se deitem ao seu lado, são bebés que apesar de os meses irem passando,  continuam a acordar várias vezes em cada noite, entre outros problemas.

Caídos na armadilha dos maus hábitos

Sem os pais se aperceberem da ‘bola de neve’ de padrões em que se envolveram, passam semanas, meses e anos que acabam por trazer consequências graves para a família. A primeira vítima da falta de sono é a criança. Sabe-se que horas de sono a menos ou padrões irregulares podem conduzir a alterações de humor, irritabilidade, prejudicar o desempenho escolar, a alimentação, entre tantas outras. “Um recém-nascido pode dormir até 20 horas por dia e muitos adultos não entendem isso”, explica Maria Xavier. Os primeiros meses de vida do bebé são da maior importância na organização e estruturação do cérebro. 

Mas além da criança, também os pais sofrem com a privação de sono. “É impossível, depois de várias noites sem dormir bem, que uma pessoa não fique irritável”, explica a psicóloga. Ora, um cenário de irritabilidade, impaciência e exaustão nos pais à mistura com um filho birrento e igualmente cansado é um cocktail explosivo para a vida familiar. “A saúde da relação pode estar em causa” alerta a terapeuta, que assiste a muitos casais já com problemas entre si resultado de uma rotina familiar disfuncional e desgastante.

Nunca mais vai dormir uma noite completa?

A boa notícia é que este cenário é reversível. E geralmente não é difícil nem um processo moroso. Em muitas situações o problema é ultrapassado rapidamente com o apoio do terapeuta que trabalha com os pais e as crianças. Os dados de sucesso na Clínica Universitária de Psicologia da UCP, no Porto, são prova disso. “O mais importante é os pais serem firmes e consistentes”, explica Maria Raúl Xavier. Ou seja, se se sentem perdidos, devem procurar ajuda especializada o quanto antes, mas uma vez definida a estratégia de ‘ataque’ não devem desviar-se dela.

A psicóloga sublinha que “os pais devem pensar a longo prazo. Quando actuam sobre este problema estão a investir no bem-estar do filho, no seu sucesso escolar”. Por isso, o que deve ser evitado é a mudança de estratégias a toda a hora. Se num dia permite que a criança adormeça no seu quarto, no outro obriga-a a ficar na cama dela e no outro deita-se na cama com ela, é impossível o seu filho organizar-se e saber até onde pode ir. Por isso, mãe e pai devem antes concordar numa rotina diária e manterem-se fiéis com firmeza e consistência. Se se sentirem perdidos, existem hoje no mercado livros de pediatras e psicólogos com dicas para ajudar na tarefa e podem marcar uma consulta com um terapeuta. Seja como for, devem actuar o mais cedo possível.

Conselhos práticos:

Muitos pais esquecem-se de fazer a preparação para o sono. Convém estabelecer uma rotina diária que passe por um ambiente calmo. Muitas vezes existe stress perto da hora de deitar – se o jantar contou com birras, por exemplo, pais e filhos já chegam com os nervos em franja à hora de deitar. Este padrão deve ser alterado. Um banho, uma brincadeira tranquila entre pais e filhos, uma história ou outros rituais pouco agitados vão conduzindo a criança para o sono.

Perceber os sinais de sono. Não se deve deixar avançar o sono até ao ponto em que a criança fica sobre-estimulada. Se tem um bebé pequeno em casa, não se contenha na hora de explicar a amigos e familiares que o seu filho tem de descansar. Os estímulos em excesso e o ‘deixar andar’ dos sinais de sono quase sempre dão mau resultado e o bebé vai ter mais dificuldade em adormecer por não conseguir processar tanta informação.

Fornecer ao bebé/criança elementos securizantes. Pode ser um boneco, uma fralda de pano ou até uma peça com o cheiro da mãe. São objectos que transmitem segurança ao bebé e que o ajudam a ser autónomo no processo de adormecer e readormecer quando desperta durante a noite.

Nunca deve usar a cama como castigo. “Portas-te mal, vais imediatamente para a cama!” é uma ameaça proibida. A cama deve ser encarada pela criança como um local agradável, seguro, confortável, nunca como uma punição. Não se esqueça de avisar avós ou outros cuidadores da criança para também não o fazerem. Papões, monstros no armário e outras ameaças relacionadas com a cama e quarto da criança devem ser totalmente proibidas.

Se o seu bebé sempre dormiu no seu quarto e durante meses ou até um ano o quarto que lhe destinou esteve sem uso, apesar de ter uma decoração cuidada e muito bonita, é normal que ao mudá-lo de um dia para o outro a criança vá percepcionar esse espaço como sendo vazio, desconhecido, que é não é familiar nem seguro. Opte por usar desde cedo o quarto para brincar e cuidar do seu filho. O bebé pode até fazer as sestas diárias no quarto dele.

Nos bebés com um ano ou menos é natural haver fases de maior resistência a estarem deitados, principalmente quando começam a pôr-se de pé e a querer explorar o mundo. Mantenha-se firme na rotina.

Nas crianças maiores que já conseguem sair da cama e começam a fazer ‘fugas’ para a sala ou quarto dos pais, deve conduzi-las novamente para cama tantas vezes quantas necessárias até que desistem das escapadelas, garantindo-se que a criança perceba que não está ‘abandonada’ porque está na sua cama, no seu quarto.

andreia.coelho@sol.pt