Sindika Dokolo: ‘Nunca senti que um artista quisesse enriquecer às minhas custas’

Na manhã seguinte a um dia de glória no Porto, Sindika Dokolo disponibilizou algumas horas para um número limitado de entrevistas. Sempre sereno e afável, apesar de ter o tempo contado, este filho de pai congolês e mãe dinamarquesa, educado na Bélgica e em França e casado desde 2002 com a angolana Isabel dos Santos,…

Sindika Dokolo: ‘Nunca senti que um artista quisesse enriquecer às minhas custas’

O que pode o Porto trazer para a projecção da sua colecção?

O que aconteceu no Porto tem um forte simbolismo para nós. Ficámos muito sensibilizados com a consideração, carinho, simplicidade e naturalidade com que esse gesto foi feito. Cria um campo de possibilidades de parceria, num pé de igualdade. Já temos um orçamento na fundação para promover uma série de projectos. Na próxima Trienal de Luanda já se deve reflectir a materialização de um eixo cultural estratégico entre o Porto e Luanda.

Há a possibilidade de estabelecer no Porto um pólo da colecção?

Se houver esse desejo, estaremos disponíveis para ter uma presença mais permanente.

O seu principal objectivo é integrar os artistas e a arte africana no circuito mundial, de igual para igual?

Estamos num momento estratégico da vida do continente, em que temos de nos projectar no século XXI. Para nós é importante, em primeiro lugar, conseguir confrontar o público e a própria criação contemporânea. Outra vertente é explicar o que somos e para onde vamos, como ponto de partida de uma relação saudável com o resto do mundo.

Em África, a arte tem um cunho ainda mais político do que noutros continentes?

Acho que sim e nota-se. Como disse o Paulo Cunha e Silva [vereador de Cultura do Porto] há uma frescura face à arte europeia, que está um pouco cansada. É verdade que a arte na Europa tem vivido um pouco isolada e não tem a ambição de transformar o mundo, como em África. É uma ideia romântica, mas que dá uma energia completamente diferente. Há um questionamento da democracia, das liberdades, da sexualidade, da moral e da religião, coisas que se debatem no dia-a-dia e que determinam as sociedades.

A arte contemporânea africana está na moda?

Acho que não. Há uma curiosidade no mercado, que é positiva mas também perigosa. Se queremos construir uma plataforma artística forte, temos de a construir por dentro e ter mercado, artistas, instituições, escolas, curadores e críticos, à luz do que se fez na África do Sul, que está à frente de muitos países ocidentais. O mercado da arte procura sempre a next big thing: China, Rússia, América Latina… Mais tarde ou mais cedo teria que parar em África. Se não capitalizarmos esta moda, ela torna-se de curto prazo e o mercado vai passar rapidamente para outra coisa.

Prefere dizer que tem uma colecção africana de arte e não uma colecção de arte africana, não é?

Sim, porque arte africana não quer dizer nada. Se calhar era mais interessante e mais inteligente fazer uma colecção de artistas baixinhos ou loiros… No entanto, é provável que a maior parte das pessoas que entrem aqui pensem que estão no sítio errado. Nós, africanos, já não correspondemos a uma certa ideia que algumas pessoas ainda têm e é muito difícil interagir se há essa imagem completamente desfasada.

A sua colecção de arte também é uma boa forma de investimento?

Tenho muitas dúvidas em relação a isso quando vejo as facturas.

E tem ideia de quanto já gastou?

Prefiro não ter, para dormir melhor à noite. A maioria desse dinheiro vai para a criação de projectos, não para a compra de obras. Por exemplo, muitas das obras que estão aqui não foram compradas. Eu e a minha equipa decidimos, em eventos específicos, financiar a produção de alguns artistas. Depois, a obra torna-se propriedade da fundação. Sou incapaz de dizer quantas obras tem a colecção, quanto é que custou, quanto vale, se ganhei ou perdi dinheiro…

Não lhe fazem preços mais altos pelos negócios em que está envolvido e por ser casado com Isabel dos Santos? Ou seja, por acharem que os seus bolsos não têm fundo?

Não. Eu tenho uma relação de fraternidade e proximidade com os artistas. Ontem apontei-os como irmãos e irmãs e isso é uma coisa muito importante para mim. O sucesso da fundação tem muito que ver com essa relação. O vice-presidente da fundação também é um artista e temos o sentimento de estar numa luta importante e útil, da mesma forma que os nossos antepassados lutaram pela independência. O preço é sempre alto, mas nunca senti que um artista quisesse enriquecer às minhas custas.

A arte é a sua grande paixão? Quanto tempo dedica a estas actividades?

Claro. Se perguntar à minha mulher, ela vai dizer que é tempo de mais. De dia trabalho e à noite estou sempre na internet a fazer pesquisas, a comparar. A coisa mais interessante para mim não é ser coleccionador e acumular obras, mas sim fazer estes projectos. E isso não me leva assim tanto tempo, porque tenho uma equipa que é muito boa. Creio que não há no mundo uma fundação com os meios e as limitações da nossa, a conseguir propor tantos projectos.

Quantas pessoas é que tem na sua equipa?

Durante a Trienal são 50 a 100 pessoas, permanentemente talvez sejamos 10 ou 15. Foi com muito prazer que vi Angola vencer o Leão de Ouro na Bienal de Veneza, sem que a minha fundação estivesse envolvida. Digo isso sem amargura, porque senti que o nosso trabalho está a gerar sustentabilidade e a fazer bebés, o que é muito bom.

Para essa sustentabilidade, falta-lhe criar o centro de arte contemporânea em Luanda?

É um grande projecto. A instituição museu tem que ser completamente revista. Isso vai levar algum tempo e o que estou a propor ao Governo angolano, para já, é identificar uma infra-estrutura já disponível para o albergar.

Teve conhecimento da polémica em volta da medalha que recebeu?

Não sei os pormenores e não percebi se alguns tinham votado contra, se foi unanimidade…

Uma larga maioria votou a favor.

Um projecto inovador cria sempre debate. Acho que uma parte da crítica tinha que ver com a forma como se determina quem é que recebe uma medalha. Não me cabe a mim entrar nessas considerações.