Vamos ver se chove

Menos chuva, mas quando cai um dia vale por um mês inteiro. A previsão meteorológica para Portugal não é famosa – dias secos a fio e poucos dias de chuva intensa. É o que diz um estudo da Faculdade de Ciências.

Prepare um guarda-chuva sólido e ande sempre de gabardina e apenas com uma t-shirt por baixo. Basta-lhe isto, mais coisa menos coisa, para ser feliz quando anda na rua em Portugal. Os únicos cuidados de que vai precisar consistem em abrir o guarda-chuva por menos tempo durante o dia – e enfrentar uma borrasca súbita – ou, pelo contrário, tirar a gabardina dias a fio.

Se as coisas piorarem, como o futuro próximo parece anunciar, prepare-se para ter de voltar a um slogan que todos ouvimos nos anos 80 – 'Poupe energia, garanta o futuro', numa altura em que o nosso país tinha de importar muita electricidade para suprir as necessidades. Isto porque, num cenário como é traçado pelo estudo de Pedro Matos Soares, do Instituto Dom Luiz da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) – com uma equipa que integra Rita M. Cardoso, João Jacinto Ferreira e Pedro Miranda – podemos vir a ter problemas de produção hidroeléctrica se o padrão da chuva continuar assim.

O problema, já todos perceberam depois de ler estas linhas, tem a ver com as alterações climáticas. Portugal faz parte, segundo Pedro Soares, de uma das regiões mais vulneráveis a este nível, o Sul da Europa. O estudo, que se focou apenas na precipitação, revela dados de que já estávamos à espera – mas sobre os quais talvez tivéssemos medo de perguntar – e outros deveras surpreendentes. Só para dar dois exemplos de cada ideia, logo no abstract (o resumo do artigo), os autores dizem que a ocorrência de precipitação extrema em Portugal é muito significativa no contexto Europeu. E completam: «A Europa do Sul é uma das regiões mais vulneráveis às alterações climáticas do mundo». 

Lugares neste tipo de pódios são coisas que definitivamente não nos interessam. O estudo analisou a precipitação diária portuguesa entre 1971 e 2000 e ensaia projecções para daqui a 70 anos, entre 2071 e 2100. A chuva moderada diminui e passa a concentrar-se em maiores quantidades em menos dias do ano. «Na análise que fizemos da precipitação diária podemos concluir que existirá no futuro uma diminuição da frequência diária de precipitação pouco intensa a moderada, e um aumento significativo da frequência diária de precipitação intensa a extrema», diz Pedro Soares, em conversa por email. Para o fim do século XXI este estudo aponta para uma importante diminuição da precipitação anual ou sazonal em Portugal.

O que podemos esperar de um futuro assim, que já se desenha de maneira tão nítida no presente? O abastecimento público de água pode ser afectado. A produção de energia eléctrica também pode ser muito condicionada, por razões parecidas – falta de água nas barragens. Mas há também que pensar «nas florestas e na agricultura, em consequência directa da menor disponibilidade de água e, claro, da capacidade de irrigação». É isso mesmo: somam-se aos problemas energéticos e ao acesso a água potável a degradação agrícola e florestal.

Uma seca de tempo
Soares explica de forma mais clara como um ciclo que se quer virtuoso pode, afinal, passar a ser venenoso: «Se a precipitação é no seu total menor e mais extrema, a que existe alimentará um escoamento superficial, logo menos retenção de água nos solos, impactando de modo acrescido no ciclo vegetativo das plantas, agrícolas ou florestais, e claro na disponibilidade de água nas barragens».

O grupo usou os resultados de 16 modelos regionais de clima, «os mais avançados que existem na Europa», segundo Pedro Soares. Estes representam inúmeros processos físicos do sistema climático. Confrontou estes modelos com observações no período de clima presente, ou seja, os tais últimos 30 anos do século XX. Dos 16 iniciais, os autores do estudo seleccionaram cinco, os que apresentavam melhor desempenho. 

Estes últimos cinco seriam depois sintetizados num modelo a que chamaram Ensemble, «e que se apresenta como o melhor modelo para projectar alterações no futuro». Os tais cinco melhores e o modelo sintético de clima futuro seriam depois comparados com os resultados do clima presente. Os resultados não são animadores e o grupo cingiu-se ao 'comportamento' das chuvas. 

O aquecimento global tem outras variáveis a serem estudadas, mas esta já é suficientemente perturbadora. O perfil da precipitação é muito diferente na Europa. Para o Norte da Europa é esperado um aumento da precipitação acumulada, enquanto para o Sul uma diminuição. Ou seja, períodos de seca perturbados por chuvas intensas em menos dias do ano. «Genericamente, a zona do Mediterrâneo é conhecida pela sua vulnerabilidade ao aquecimento global. Nesta região os estudos apontam quase sempre para resultados em sintonia com os nossos».

Portugal e Espanha diferentes
As diferenças regionais dentro da Península Ibérica e mesmo apenas no território nacional também são assinaladas no estudo. É curioso saber, por exemplo, que o padrão da precipitação em Espanha é diferente do português. Mas é relativamente intuitivo saber quais as regiões com mais chuva intensa (o Noroeste de Portugal e a Galiza, por exemplo) e as que são ou vão continuar a ser assoladas por secas prolongadas (Alentejo e Andaluzia). O clima é caprichoso, é errático – tem variações que vão «da escala das horas às dezenas de anos» – e apresenta grande variabilidade, mas o padrão de futuro apresentado por Soares e pela equipa que integrou o estudo parece mesmo ser impossível de ultrapassar. 

Chega então a altura da pergunta valiosa: e o que podemos fazer? Podemos reverter o processo de alterações climáticas? Nem por isso. Podemos apenas tentar remediar a situação, ou, como se diz na gíria das cimeiras internacionais do clima, mitigar os impactos dessas alterações. Uma reversão no processo teria de ser imediata e, como todos sabemos, o estado de desenvolvimento dos países não é igual, e as expectativas das novas potências económicas são uma verdadeira parede entre a vontade de mudar e a possibilidade de o fazer. Uma reversão «dependeria em imensa medida dos grandes emissores mundiais de CO2, como a China e os EUA, e em pequena medida de Portugal». Entretanto, reforcemos os guarda-chuvas. 

ricardo.nabais@sol.pt