Madonna: A rebeldia compensa

Depois de dois álbuns menos relevantes, Rebel Heart marca o regresso de Madonna aos discos e aos tops  de vendas mundiais. Aos 56 anos, a material girl mostra ao mundo que a reforma está longe de acontecer e que a provocação ainda faz movimentar o universo da música pop.

«Em muitos aspectos, sinto-me uma sobrevivente». Madonna tem repetido esta afirmação nas entrevistas a propósito do seu novo álbum, Rebel Heart, nas lojas desde segunda-feira. Ouvindo o trabalho, é fácil perceber porque a diva da pop se mostra agora mais vulnerável. Os temas confessionais são a força do disco, com Madonna a perceber que, em vez de continuar preocupada em manter a todo o custo o trono do reino da pop, só tem de fazer o melhor que sabe: música directa, íntima, provocadora e rebelde. É isso que acontece nos temas 'Joan of Arc', 'Ghosttown', 'Body Shop' e 'Wash All Over Me', onde recupera igualmente as suas grandes obsessões: o sexo, a religião, o culto da celebridade e a defesa das minorias (raciais e de género sexual). 

Rebel Heart demorou ano e meio a ser criado, com a artista a dar prioridade à escrita. Nos dois discos anteriores Hard Candy (2008) e MDNA (2012) apostou nos ritmos da r&b, hip hop e música de dança para massas, posicionando-se ao lado de 'discípulas' como Lady Gaga, Britney Spears ou Rihanna e dando prioridade à forma em prol do conteúdo. Porém, esta abordagem traiu-a, com os resultados de vendas muito abaixo dos seus números habituais, até no que diz respeito aos concertos, como testemunhámos por cá em 2012, quando trouxe a Coimbra a digressão de MDNA e o espectáculo não esgotou. 

Dedicar-se às letras foi, então, a primeira sábia decisão de Madonna. Na brilhante 'Joan of Arc' canta 'even when the world turns its back on me, there could be a war but I'm not going down ('mesmo quando o mundo vira-me as costas, pode haver uma guerra mas eu não me deixo ir abaixo', em tradução livre) e a frase faz eco directo aos últimos anos de carreira. «Escrever é uma experiência muito íntima. É como estar com um estranho e contar-lhe todos os nossos segredos, sem medo de fazermos má figura», disse à revista Time. E medo é algo que Madonna já mostrou, há muito, não ter. 

Ao longo de mais de 30 anos a escrever canções, Madonna quebrou tabus, levantou questões, desafiou convicções e contribuiu para a afirmação da mulher no meio artístico. Hoje, aos 56 anos – comenta com o jornal nova-iorquino Daily News -, acredita que continua a fazê-lo. «As pessoas sempre me julgaram. Agora andam a chatear-me por causa da minha idade», diz, referindo-se às críticas de que é alvo sobre não se vestir de acordo com uma cinquentona. 

As acusações subiram de tom na gala dos Grammy Awards, em Fevereiro, quando Madonna apareceu, na passadeira vermelha, com o rabo à mostra. «A maior parte das críticas que oiço são de mulheres. Este é o aspecto do meu rabo! Essas cabras que me mostrem como está o rabo delas aos 56 anos», reage ao mesmo jornal, garantindo que a forma física é resultado de muito trabalho. «Cuido do meu corpo. Vou poder mostrá-lo aos 66, 76… Em vez de me descriminarem, deviam apoiar-me, dizer 'que bom para ti'. Estou a abrir portas para que, daqui a uns anos, as mulheres não tenham que lidar com estas merdas». 

Foi a sua boa forma física que lhe permitiu, igualmente, suportar a aparatosa queda na cerimónia dos Brit Awards, há duas semanas, quando apresentava 'Living for Love' e não conseguiu despir a longa capa que vestia a tempo de um dançarino a puxar. «Só me lembro de cair para trás e bater com a cabeça no chão. Fui tão apanhada de surpresa que só pensei 'tenho de continuar'», contou ao New York Times. Apesar de não ter sido planeado, o incidente parece quase uma analogia à sua história. 

A capa desenhada por Giorgio Armani assemelhava-se a um manto real e há muito que o trono de Madonna é ameaçado. Britney Spears surgiu como a primeira candidata, mas os dramas pessoais afastaram-na da sucessão. Lady Gaga foi o nome que se seguiu, mas a artista nunca conseguiu ultrapassar os números de vendas da material girl, que ainda hoje continua a ser a mulher que mais discos vendeu na história da música mundial. E se o trono, afinal, for ocupado por um homem? Quem lançou esta hipótese foi a própria Madonna, nomeando Kanye West – um dos vários colaboradores de Rebel Heart – para o lugar. Ao Daily News, a cantora disse que o rapper «é a nova Madonna», ou «a Madonna negra», porque, tal como ela, irrita muita gente e não tem medo de ir além dos limites. 

Para muitos, Madonna ultrapassou precisamente os limites quando publicou na sua conta de Instagram uma montagem com imagens, entre outros, de Martin Luther King Jr. e Nelson Mandela inspiradas na capa do seu álbum, ou seja, com a cara enrolada numa corda preta. A artista pediu desculpas por ter ferido susceptibilidades, mas garantiu que foi mal interpretada. Pouco tempo depois, sofreu novo golpe. As maquetes de Rebel Heart foram parar à internet, obrigando a cantora a colocar à venda na loja digital iTunes seis temas terminados do álbum. Madonna considerou o ataque pirata «uma forma de terrorismo» e uma «violação artística». «Uma coisa destas obriga-nos a repensar todo o processo de fazer música, como trabalhar num ambiente mais seguro. É alarmante», mencionou ao Guardian na altura. 

Apesar do infortúnio, colocar parte do disco à venda acabou por correr bem para Madonna, que conseguiu ocupar o primeiro lugar do top daquela plataforma em 44 países, incluindo Portugal. Esta semana, além do disco completo nas lojas, também foram colocados à venda os bilhetes para os espectáculos desta digressão e a procura tem sido elevada. O concerto de Paris, por exemplo, esgotou em cinco minutos. Caso para dizer que, mesmo quando cai, Madonna ainda se sabe levantar com grande estilo. 

alexandra.ho@sol.pt