Tsipras em Lisboa

Numa entrevista a uma cadeia de televisão francesa, perguntaram-me se seria possível em Portugal um fenómeno do tipo Syriza ou Podemos. Não tive muitas dúvidas na resposta: «Há condições para isso acontecer, mas não há qualquer hipótese de se concretizar».  

Há condições, porquê?

Porque os partidos do sistema estão enfraquecidos.

A direita foi fortemente penalizada por três anos e meio de austeridade – e o Partido Socialista, que seria o beneficiário natural desse desgaste, não está a conseguir impor-se.

Nas sondagens, o PS e a coligação (PSD+CDS) aparecem quase iguais.

De início, pensou-se que o problema do PS se chamava António José Seguro – e foi com base nesse pressuposto que António Costa avançou.

Mas já se percebeu que a questão é mais complexa – pois Costa tem vindo a descer paulatinamente na popularidade e nas intenções de voto.
 
Esta queda simultânea dos partidos que desde o 25 de Abril têm governado o país criaria, em princípio, condições objectivas para a afirmação de partidos fora do sistema – fosse na extrema-esquerda ou na extrema-direita.

Mas a extrema-direita em Portugal não existe – foi dizimada pela revolução e nunca mais conseguiu levantar cabeça -, pelo que é impossível surgir aqui uma Marine Le Pen. 

Quanto à extrema-esquerda, está em processo de rápida desagregação.

Pode dizer-se que teve azar: se esta situação de enfraquecimento simultâneo do PS e do PSD tivesse acontecido há dez anos, quando o Bloco estava pujante, poderia ter acontecido uma surpresa.

Mas Louçã saiu, Miguel Portas faleceu e o Bloco de Esquerda começou a desfazer-se.

Curiosamente, cada militante que sai diz que o faz para ir unir a esquerda. 

Ora, para isso, talvez fosse melhor começar por não desunir…

O certo é que Joana Amaral Dias, Daniel Oliveira, Ana Drago, Rui Tavares, etc, deram origem a uma miríade de grupos e grupinhos que pouco mais representam do que os próprios dirigentes.

Mas para esta dificuldade de afirmação da extrema-esquerda em Portugal, além das desavenças internas, contribuem ainda dois factores: o processo revolucionário que se seguiu ao 25 de Abril (o chamado PREC) e a força do PCP.

O PCP é um dos partidos comunistas mais fortes da Europa ocidental e o BE nunca o conseguiu desalojar dos meios operários. 

Ora, não há esquerda viável sem um mínimo de implantação operária.

E depois houve a confusão do PREC – com as nacionalizações, a reforma agrária, a instabilidade militar, etc. -, que provocou traumas graves e ainda hoje assusta muitos portugueses, sendo poucos os que quererão voltar a passar por uma experiência política radical. 

O esquerdismo em Portugal não deixou boas recordações.

Isso limita tremendamente as hipóteses de um partido como o Syriza chegar alguma vez ao poder. 

Dito isto, as próximas eleições vão ser novamente disputadas entre o PSD/CDS, de um lado, e o PS, do outro.

São as únicas hipóteses credíveis.

E, sendo o resultado muito incerto, uma coisa não oferece dúvidas: a situação é hoje muito mais favorável para a direita do que era há uns meses. 

Em primeiro lugar, porque, depois de sair do resgate de forma limpa, o Governo inverteu a situação depressiva e tem marcado alguns pontos.
Em segundo lugar, porque o PS começou a patinar e apresenta-se hoje em fase descendente.

Portugal está num momento de viragem. 

A direita conseguiu mudar a inclinação da seta para cima – enquanto o PS deixou a seta virar-se para baixo. 
Depois de um período terrível, em que os ministros eram apupados e quase agredidos nas ruas, o Governo levantou a cabeça e pode dizer que deu a volta à situação.

Inversamente, o PS, que viveu um período de grande exaltação partidária na entronização de António Costa, parece estar agora a pagar as favas desse entusiasmo prematuro: Costa não voa, Ferro Rodrigues perde os debates parlamentares, as sondagens são más.

O Governo pode actualmente dizer, apoiado em números, que a austeridade não falhou, pois o PIB está a crescer, o desemprego está a cair, os juros da dívida estão a diminuir, a confiança dos portugueses no futuro está a aumentar…

E estes factos destroem aquele que era o grande argumento do PS para a próxima campanha eleitoral: a ideia de que 'a austeridade falhou'. 

Mas sendo isto indiscutível, é cedíssimo para tirar conclusões.

Daqui até às eleições muita água vai correr sob as pontes. 

Por exemplo: quantos escândalos e escândalozinhos ainda poderão rebentar? 

E rebentarão mais à direita ou à esquerda? 

Pode bastar isso para os pratos da balança se inclinarem num sentido ou noutro.

P.S. –  A polémica sobre a existência de uma 'bolsa VIP' de contribuintes é insólita. Mas alguém defende que os funcionários andem a espiar os processos fiscais das pessoas (VIPs ou não)? Sendo assim, é natural que, relativamente a pessoas com mais notoriedade, os mecanismos de defesa sejam reforçados. Ou não?

jas@sol.pt