O murro na mesa…

Foi numa sexta-feira 13 que antigos revolucionários e velhas e novas esquerdas tomaram assento na Gulbenkian para reflectir sobre um magno tema: Ruptura e Utopia para a Próxima Revolução Democrática. Chamaram-lhe Congresso da Cidadania e ninguém poderá levar a mal.

Por entre os cidadãos reunidos em conclave, avultaram os participantes de outras andanças, fieis aos mesmos ideários, desde os encontros da Aula Magna – o último dos quais, em 2013, contou com Mário Soares como figura de proa, apostado em “libertar Portugal da austeridade”.

Depois, em 2014, no Largo do Carmo, Vasco Lourenço zurziu desapiedadamente o Governo, exigindo do Presidente que apeasse o primeiro-ministro.

Ao rever agora as entrevistas que o presidente da Associação 25 de Abril concedeu em vésperas de novo Congresso, percebe-se que as suas utopias não mudaram.

Mudou o local do evento, graças a um generoso upgrade da Gulbenkian – um espaço sem grandes tradições como palco da luta política -, mudou o título do evento, mas não mudou a maioria das personagens, nem o discurso do animador do evento.

Lourenço continuou a trautear a mesma ladainha anti-sistema (dizendo tantas vezes temer a violência popular, que mais pareceu desejar atiçá-la), ao mesmo tempo que resplandecia com os feitos do Syriza ( e dos seus aliados de extrema direita) ao proclamar, sem lhe tremer a voz, “espero que consigamos aprender com os bons resultados da Grécia”.

Se Lourenço fosse um humorista, aliás muito na moda, os 'bons resultados' gregos poderiam ser vistos à luz de um chiste de stand up comedy, face à cultura dominante por aquelas paragens, baseada na corrupção e na fuga aos impostos como modo de vida. Mas não consta essa vocação no seu currículo.

Percebe-se, contudo, pela linguagem, que o revolucionário de Abril convive mal com a União Europeia, “totalmente falhada”; com Cavaco e Passos Coelho, que trata com desvelados mimos (que o ofenderiam se lhe fossem dirigidos); e, até, com as tensões internas do PS de Costa, que qualifica, magnânimo, como “saco de gatos de várias facções a digladiarem-se por interesses e não por valores”.

Os valores, já se sabe, são os dele, revendo-se num estimulante frentismo popular, tão do agrado do seu confrade Otelo e de outros revolucionários que andam por aí.

Claro que este rosário de amarguras não ajuda a credibilizar as esquerdas, e muito menos a austeridade se apaga por decreto, acenando com a saída do euro, tratada como alternativa patriótica.

Escamoteia-se, porém – para não afugentar os poucos crédulos de serviço -, que esse regresso ao passado implicaria, como fatal destino, o empobrecimento efectivo dos portugueses, no mínimo, em metade das suas poupanças.

Com moeda fraca e 'orgulhosamente sós', retomaríamos a periferia em nome de um ruptura milagrosa sem fazer as contas, tão ao gosto dos doutrinadores do PCP e do Bloco, para quem o pior é o melhor.

Por entre bravatas espúrias, os organizadores do Congresso trouxeram, contudo, a cena uma novidade menos subliminar, assumindo que desejam influenciar o destino do voto nas próximas legislativas e nas presidenciais, não vão os eleitores enganar-se outra vez…

No caso das presidenciais, Lourenço lança mesmo o desafio a Costa para escolher “um independente” fora da tribo. E, prometendo não “lançar nomes”, sentou Carvalho da Silva e Sampaio da Nóvoa na primeira fila do Congresso, 'apadrinhados' por Ramalho Eanes, que tem dificuldade em distanciar-se dos rogos dos antigos camaradas de armas.

Como se viu – e ouviu – os protocandidatos não se fizeram esquivos e exprimiram o seu desconsolo perante o “desastre da austeridade”.

Provavelmente ainda não se aperceberam das prateleiras vazias nos supermercados da Venezuela, onde milhares de portugueses sobrevivem a deitar contas à vida, perante os efeitos do realismo socialista.

O certo é que tanto o ex-reitor da Universidade de Lisboa, como o ex-sindicalista, se manifestaram disponíveis para essa corrida, ambos muito ao estilo de Fernando Nobre, um médico sem fronteiras, como já provou.

Faltavam as conclusões do Congresso e Vasco Lourenço soube sintetizá-las com a uma frase lapidar e requintada : “Chegou o tempo de se dar um estrondoso murro na mesa”. Foi a cereja em cima do bolo.

Neste despique de frases feitas para consumo rápido dos media, Sampaio da Nóvoa não se ficou atrás e atirou que “é preciso acabar com esta política antes que ela acabe connosco”. Está tudo dito. Falta conhecer-lhe apenas o programa regenerador. Um pormenor, decerto, irrelevante.

O Congresso da Cidadania esforçou-se, afincadamente, na promoção dos fantasmas do costume, e traçou o luminoso caminho da salvação. Haja boas almas que o sigam. Com ou sem gravata…