Vale de Guizo

O destino era Lisboa. Para fazer uma enfiada de compras, uma devolução e várias paragens por diversas capelinhas.   

Sempre gostámos de ser turistas na nossa própria cidade, mas desde que viemos viver para o Alentejo as idas a Lisboa são sempre a contra-relógio. E terminam com um jantar num sítio qualquer da moda, já exaustos e com o estômago colado às costas – porque no meio de tanta voltinha nunca há tempo para um lanche. 
Mas o dia estava bonito e quentinho, e a antevisão de andarmos às voltas de carro, de capelinha em capelinha, não nos sorria. Mandámos Lisboa às urtigas. 

Vale de Guizo e Arez nem vêm no Google Maps e são duas aldeias na margem sul do Rio Sado, perto de Alcácer do Sal. Até podia não haver lá nada para ver, mas fomos averiguar. Pus a máquina fotográfica ao pescoço e calcei ténis, que é a minha farda de turista – e saí de casa. 

A primeira paragem foi Vale de Guizo para tomar café. Nenhum passeio pode começar sem café. 
Um restaurante, talvez o único, à beira-rio prometia ser especialista em ensopado de enguias. Eu não gosto de enguias de maneira nenhuma, mas conheço quem goste e estava com imensa vontade de meter conversa com o rapaz atrás do balcão. 

Vi a minha oportunidade num pote com bolinhos de erva-doce junto à máquina do café. Pedi um e, além da história do costume da falta de gente nova na aldeia, fiquei a saber que as enguias são apanhadas pelo pai e cozinhadas pela mãe, que costuma vir gente de Lisboa só para comer o ensopado e que é melhor telefonar primeiro se não quisermos estar muito tempo à espera. 
No final, mostrou-nos as enguias grandes e gordinhas dentro de um alguidar azul, enquanto a mãe, de chapéu de palha na cabeça, passava por nós ligeira. Depois, recomendou-nos que fôssemos ver a igreja, que estava em obras. 

Na encosta a caminho da igreja, uma enfiada de casinhas caiadas chamou a minha atenção. A dupla de velhinhas vestidas de preto e de chapéus com fitas, sentadas num banco de cimento à sombra do que parecia ser um escorrega de pedra que descia da fachada da casa até ao chão, deu-me vontade de vencer a timidez, meter conversa e pedir uma fotografia. 

Conversei com as senhoras mas não tive coragem para pedinchar uma fotografia, até porque percebi a meio da conversa que não seria a primeira. Descobri que a casa mais cobiçada da aldeia não era aquela caiada de branco, com o escorrega e umas paredes de meio metro, mas uma outra casinha pintada de azul claro com um daqueles relógios a fazer lembrar as estações de caminho-de-ferro e um tamanho a condizer, rodeada por uma american dream white picket fence. 

Enquanto continuávamos a subir a encosta e a admirar as casas como se fôssemos avaliadores imobiliários, de repente já não sabíamos se estávamos no quintal de alguém ou na rua. E dei por mim a querer viver ali, no que parecia ser um Alentejo mais verdadeiro, onde as casas ainda não são feitas de tijolo e cimento e as senhoras ainda usam chapéu de palha com fitinha. 

E, confesso que também me admirei que uma aldeia, à partida sem qualquer interesse turístico, me tivesse proporcionado uma tarde tão bem passada, sem montras nem restaurantes na berra. Então lembrei-me de uma frase que li no Facebook, num comentário a uma crónica minha, que dizia mais o menos o seguinte: «O problema do Alentejo é estar vazio de alentejanos e cheio de lisboetas…». 

Um dia volto a Vale de Guizo e peço às senhoras de chapéu para me deixarem tirar-lhes uma fotografia.