A ponte de Viana do Castelo

Quando miúdo, nas férias de Verão, o mês de Agosto era invariavelmente passado em Vila Praia de Âncora.

O lugar tinha fama de ter muito iodo, que os médicos aconselhavam para o nosso crescimento, de maneira que os meus pais trataram de arrendar casa a um pescador que andava pela Terra Nova, na frota do bacalhau. E todos os anos, até ao início da nossa adolescência, lhe renovavam o arrendamento.

Calhava bem, pois a casa era mesmo frente ao mar – e assim, mal acordávamos, saíamos logo para a praia com os nossos camaroeiros, a apanhar peixinhos e caranguejos por entre as rochas.

Mas no início e no final do mês, quando chegávamos ou dizíamos adeus ao paraíso estival, o sinal de que estávamos próximos ou de que ele tinha ficado definitivamente para trás era dado pela ponte de Viana do Castelo.

De facto, a travessia do Rio Lima marcava o percurso, porque a estrada, que até aí era pelo interior, passava a ser junto à costa, com o mar ao fundo. E depois, atravessar a ponte era sempre uma aventura! Na época, o tabuleiro ainda tinha a largura original de 5,20m com que foi inaugurado em 1878, fazendo com que o cruzar de dois camiões, ou mesmo de um automóvel com um camião, fosse complicado, tanto mais que havia duas curvas e contracurvas a passar.

Como a ponte servia o tráfego rodoviário e ferroviário, os acessos da via-férrea e da estrada eram paralelos – sendo o rodoviário uma rampa que, em cima, através de uma curva e contracurva, desembocava num tabuleiro sobreposto ao tabuleiro ferroviário. Tratava-se de uma 'engenhosidade' de Gustave Eiffel, autor do projecto.

A ponte, com uma extensão de pouco mais de 700m, ficou assim com um duplo tabuleiro: o superior para circulação rodoviária e pedonal, o inferior para circulação ferroviária. A superestrutura de ferro, produzida nas oficinas da Casa Eiffel, perto de Paris, assentava em onze pilares de granito, com extremidades rampantes.

Mas a travessia da ponte era sempre uma aventura porque, nessa época, a ponte servia a estrada internacional que fazia a ligação Porto-Vigo, com todo o tráfego de camiões TIR que aí circulava, sendo habitual ficar tudo empancado nas curvas e contracurvas das suas rampas de acesso. Ou ver um automóvel rebentar um pneu nas esquinas dos passeios de ferro de 80cm que, de cada lado, acompanhavam o curvar abrupto da via rodoviária. Para não falar da fumarada que tudo envolvia, quando calhava passar um comboio pelo tabuleiro inferior…

Felizmente, com o advento das automotoras a diesel e a construção da ponte nova, mais a montante do Lima, estas contrariedades desapareceram. E o alargamento do tabuleiro superior em 2007, permitindo 6m para as duas faixas de rodagem e 2m para os dois passeios pedonais de cada lado, vieram facilitar bastante a actual circulação pela centenária ponte. Que – dizem – era considerada pelo próprio Eiffel como a sua obra-prima! É difícil atestá-lo, para quem fez tantas e tão belas obras de ferro. Mas que é uma das suas melhores pontes, disso ninguém duvide. Pena não estar classificada…