Um socratismo sem Sócrates?

António Costa diz que não gosta de uma “política de casos”.

E percebe-se que o diga: os 'casos' e 'casinhos' têm ocupado todo o espaço mediático – e começa a faltar tempo ao PS para apresentar aos portugueses uma proposta consistente de governo.

A seis meses das eleições, ainda não se sabe bem o que o Partido Socialista quer.

Mas, sendo isto evidente – e apesar do que António Costa diz -, a verdade é que o PS não tem feito outra coisa senão agarrar-se desesperadamente aos casos que vão surgindo.

Primeiro, foi a algazarra à volta do não pagamento, há 15 anos, de uma contribuição de Passos Coelho à Segurança Social; depois, foi a famigerada 'lista VIP' do fisco (que se provou não existir, reduzindo-se a uns míseros quatro nomes).

Portanto, embora Costa não goste de 'casos', os deputados do PS e os comentadores afectos ao partido têm gasto todo o tempo a debatê-los no Parlamento ou nas televisões.

Mas a verdade é que o próprio António Costa também não tem feito um grande esforço para passar uma mensagem coerente daquilo que pensa fazer.

Depois da sua gaffe perante uma plateia de chineses, Costa deixou de dizer que Portugal está pior do que estava há três anos – passando a dizer que a austeridade fez o país recuar a valores de há 15 ou 20 anos.

Ora este argumento é demasiado frágil, pois o país de facto recuou – mas agora já está a crescer.

E Portugal é elogiado nas instâncias internacionais e até apontado como exemplo.

Passos Coelho pode assim afirmar que o seu Governo reanimou um país que um governo socialista deixara em estado de coma. 

Noutro plano, António Costa insiste quase exclusivamente na ideia de que é preciso pôr a economia a crescer mais – apresentando como solução o aumento do investimento público.

Ora, esta afirmação também é facilmente contestável.

Foi essa política assente no investimento (e no endividamento) público que nos levou à beira da bancarrota.

Além de que teve efeitos medíocres no crescimento económico, já que a economia esteve quase estagnada durante dez anos. 

Repetir esta receita, seria recuperar uma política que já mostrou estar completamente errada.

Sucede que esta fixação de António Costa na política económica de José Sócrates não é um caso isolado.

Outras propostas suas remetem inteirinhas para o passado.

Um dia destes ouvi-o elogiar as Novas Oportunidades.

E, independentemente do que se pense delas – eu penso que eram um logro -, é mais um exemplo que nos atira para trás, para o consulado socrático.

Ora, Sócrates está preso, a sua estratégia fracassou, que interesse vê Costa em andar sempre a desenterrá-la?

Tudo isto me leva a dizer que  António Costa tem tido dificuldade em passar uma mensagem – e aquela que passa é desajustada.

Em vez de olhar para a frente, de propor uma política nova, que assuma os tempos da austeridade que atravessámos e encare resolutamente o futuro, Costa passa o tempo a propor (e a invocar) soluções do passado.

Hoje fala do investimento público, amanhã elogia as Novas Oportunidades, só falta recuperar o computador Magalhães e visitar a Venezuela de Nicolas Maduro.

Esta nostalgia já se manifestara, aliás, na escolha de Ferro Rodrigues para líder parlamentar (que fui dos poucos a criticar na altura e que se revelou um tremendo fiasco).

Não estão em causa as qualidades (ou defeitos) de Ferro.

A questão tem a ver com uma imagem e com um estilo – que nos transportam para uma época que passou em vez de nos atirarem para a frente.

Começa a faltar o tempo ao PS para apresentar ao país uma ideia mobilizadora.

E esta política de 'casos' e 'casinhos' que vão entretendo os portugueses não o favorece nada.

Até porque Passos Coelho quase não precisa de fazer campanha: o país conhece-o, há quem o deteste e quem lhe reconheça os méritos, a posição do eleitorado em relação a ele está mais ou menos definida.

Mas relativamente a Costa passa-se exactamente o contrário: ninguém sabe bem o que ele quer nem o que irá fazer se for eleito.

A única referência que ele apresenta é o tempo de José Sócrates.

Mas será isso que ele quer?

O programa de António Costa será mesmo voltar ao socratismo sem Sócrates?

P.S. – A política madeirense não tem nada que ver com a política nacional. Mas os 11% do PS na Madeira não são um bom augúrio. Mostram que os socialistas não conseguiram capitalizar o descontentamento – e isso, a outra escala, também se está a verificar no continente. Aliás, a saída de António Costa da Câmara de Lisboa é um sinal de que se acendeu no PS uma luz amarela…