Estar num hotel como em casa

Ao passar por um dos corredores do The Cliff Bay, Élvio Castanha, o porteiro do hotel da Madeira, deparou-se com um cenário pouco habitual: um grupo de hóspedes nórdicos de taco de golfe em riste. “Punham a bola no chão e davam tacadas. Não é permitido, mas com o à-vontade com que estavam, acabou por…

Além de receber os clientes, carregar malas, dar indicações – fala inglês e francês e dá uns toques no alemão –, as suas tarefas podem incluir ir ao supermercado comprar uma qualidade de água ou de sumo pedida por um cliente e que não há no hotel. Ou deslocar-se ao sapateiro para consertar o salto do sapato de uma hóspede. “Fazemos o possível e o impossível para agradar”, assegura Élvio, que conheceu no local de trabalho a sua esposa, Sónia, uma das recepcionistas. Têm agora duas filhas.

“Algumas pessoas com uma certa idade trazem tablets, mas não sabem mexer. Sentamo-nos com elas e explicamos como se manda fotos ou faz reservas. Já houve um cliente que escrevia no papel e eu passava para um e-mail para a filha”, relata. “Durante esse tempo em que estamos a ajudar, perguntam se temos família, começamos a falar e cria-se uma relação mais pessoal. Há clientes que vêm cá há muitos anos e trazem sempre uma prenda para as minhas filhas. Viram a minha mulher grávida e pedem para ver fotos delas”.

A proximidade com os clientes é uma das explicações para o sucesso deste hotel do grupo madeirense Porto Bay, um dos mais premiados lá fora.

Com 205 quartos, cinco estrelas e uma vista deslumbrante para o Funchal e para o Atlântico, foi considerado o melhor hotel de Portugal em 2014 pelo Trivago, o portal de reservas com mais de 80 milhões de utilizadores. E foi o mais votado em Portugal por muitos dos 260 milhões de visitantes do Tripadvisor, a ‘bíblia’ dos comentários sobre viagens, conquistando o galardão Travellers Choice nos últimos três anos. No início desta semana tinha mais de 1.500 comentários nesta rede social: acima de 1.300 com ‘excelente’ e apenas quatro o definiam como ‘terrível’. No Booking tem uma classificação de 9,4 em 10. E também já foi distinguido pelos maiores operadores turísticos.

São argumentos fortes no marketing e na comunicação do The Cliff Bay, que trabalha a presença nas redes sociais e o contacto com os clientes por esta via desde 2008.

Com taxas de ocupação anuais superiores a 90% (a média nacional é 44%), 40% dos hóspedes são repetentes. Alguns ficam no hotel várias vezes por ano. E chegam a permanecer cinco ou seis semanas por estadia. São sobretudo casais estrangeiros – britânicos, alemães, escandinavos. Os portugueses representam 1,5% das vendas nesta unidade hoteleira. E têm idades acima dos 50, 60 anos.

É um público específico e fiel, que passa muito tempo no hotel, a ler, a apanhar sol. Para satisfazê-lo, o serviço tem de saber responder às suas necessidades. “São turistas maduros. Gostam de muita atenção”, descreve o director-geral, António Pais, que já chegou a ir com hóspedes ao hospital.

O seu dia começa antes das nove da manhã, numa reunião de planeamento com os directores de cada departamento.

Passa também alguns minutos a ver e a responder a comentários nas redes sociais. Ou a estudar as respostas dos hóspedes aos inquéritos feitos duas vezes por mês, para conhecer os diferentes perfis, definir programas de animação e eventos e “saber exceder as suas expectativas”. Afinal, esse é outro dos motivos de sucesso na hotelaria.

“Sabemos se preferem um quarto virado para sul, onde apanham o sol da tarde, ou virado para o Funchal porque gostam de assistir ao amanhecer, de ver a rotina dos cruzeiros no porto ou as luzes da cidade. Sabemos também as preferências alimentares, as alergias”, especifica.

Mas a maioria do tempo passa-o a circular pelo hotel, falando directamente com os funcionários.

O The Cliff Bay tem 197 trabalhadores, com a média de u idades nos 39 anos. Manuel Fernades trabalha no hotel desde a inauguração e comanda uma equipa de seis empregados de mesa, todos com mais de dez anos de experiência. Dão resposta aos pedidos que chegam ao serviço de quartos, por um telemóvel específico disponível 24 horas. Também o seu trabalho é antecipar vontades. “Há um cliente que quando chega ao quarto, pelas 22h30, quer sempre um chocolate quente. Já temos tudo pré-preparado para quando o pede ao room-service. Sei quais são os clientes que, no Verão, a partir das 4 ou 5 da tarde, querem gelo porque gostam de uma bebida”.

Também com 20 anos de casa, Cesaltina Gonçalves é governanta de andares. Em parceria com mais duas governantas de andar e uma governanta geral, coordena 16 camareiras e verifica se os quartos estão bem arrumados. A partir das seis da tarde supervisiona o turndown, ou seja, a altura em que as camareiras vão a todos os quartos abrir a cama dos hóspedes, fazer uma limpeza rápida se for preciso, ou substituir toalhas e loiças usadas. “Demora cinco a dez minutos por quarto. E cada empregada faz 45 a 50 quartos”.

Ao mesmo tempo, tem também de controlar as zonas públicas como o lobby, casas de banho comuns, salas de estar, ou ver se os arranjos florais naturais precisam de ser substituídos.

As flores e plantas são um ex-líbris do hotel. Nos espaços exteriores, há várias zonas ajardinadas, com mais de 300 espécies de flores e plantas, que estão a ser inventariadas para depois transmitir aos clientes a sua história e origem.

Com espreguiçadeiras instaladas em vários recantos para relaxar, um jacuzzi ao ar livre, duas piscinas (uma parcialmente interior e aquecida e outra de água salgada) e acesso directo ao mar, a localização e o ambiente do hotel são outros dos aspectos mais valorizados pelos hóspedes.

Também os restaurantes e bares são pensados ao pormenor face às características dos clientes. No Le Cliff Bar é servido o chá das cinco, por vezes acompanhado com música de piano ou violino. E no restaurante Il Gallo d’Oro, o único da Madeira com uma estrela Michelin, há sugestões gastronómicas requintadas, de inspiração mediterrânea. Vigora também um dress code mais formal. “Temos clientes de várias nacionalidades, com costumes distintos. Os ingleses ainda apreciam muito a formalidade e se vão a um restaurante e há um cliente a jantar em mangas de camisa ou sem gravata, acham que isso estraga o ambiente da sala”, justifica o director-geral. E acrescenta que, apesar de compreender que haja clientes, sobretudo os mais jovens, que vejam as férias com mais informalidade, o hotel tem forma de conciliar sensibilidades. Pode acontecer o chefe de sala sugerir – e emprestar – uma gravata a quem apareça desprevenido quanto ao vestuário. “Acontece com alguma frequência”.  

ana.serafim@sol.pt