O regime

Chamar ‘Governo’ à administração local responsável pela execução do programa da troika é, no mínimo, exagerado.

1. o que está em causa nesta eleição é, desde logo, um programa de governo – o da troika. desta vez, não há lugar ao habitual «prometo mas não cumpro». aquilo é mesmo um programa com medidasrigorosamente calendari-zadas. apesar disso, só a esquerda o discutiu. o tripartido que assinou o memorando de cruz, mesmo desconhecendo o seu preço em juros, fez tudo o que pôde para esconder dos eleitores o elenco das malfeitorias que subscreveu. só por isso não merecem o seu voto.

2. ao contrário do que se possa pensar, não há nenhuma questão de governo nesta eleição. o programa do memorando da troika foi escrito e decidido em bruxelas, sob conselho do fmi e do banco central europeu, o nosso principal credor. esse programa será diariamente monitorizado em bruxelas e fiscalizado em lisboa a cada três meses.

chamar ‘governo’ à administração local responsável pela sua execução é, no mínimo, exagerado. classificar de ‘primeiro-ministro’ a criatura que irá a despacho é, no mínimo, uma piada de mau gosto. só surpreende como ainda há quem se candidate a tristes figuras. mas isso é porque sempre existiram figuras tristes.

eles, os do meio, não merecem o seu voto. não merecem, sequer, metade dos votos que têm obtido.

3. na verdade, temos uma questão de regime, o que é bem mais do que uma questão de governo. quem decide não vai a votos, antes se plebiscita através dos votos nos partidos colaboracionistas. quem decide não é controlado, controla. quem decide, abre e fecha a torneira das tranches de financiamento em função das condições políticas que considere úteis ou necessárias. quem decide, numa palavra, são os credores. o regime saído desta relação de forças é um poder colonial. há quem, em bruxelas, deseje a nomeação de um alto-comissário, ou seja, de um ‘governador’. não é preciso. um poder sem rosto é bem mais eficaz. a política reduzida à burocracia atinge o seu esplendor: vende-se a si própria como técnica. neste regime, o soberano é o eurocrata. mas ele ainda precisa dos colaboracionistas para se legitimar. no dia 5 eles não merecem o seu voto.

4. a dificuldade desta eleição é com a abstenção. são muitos os que pensam não valer a pena ir votar porque já está tudo decidido. são homens e mulheres castigados pela crise, punidos pela vida, que desacreditam. são jovens condenados à precariedade, que lhes aparece como superior às suas próprias forças, ou idosos que vêem a vida a andar para trás e não encontram, dentro si, as energias para mais esta batalha. todos, sem excepção, duvidam que valha a pena votar.

o pior da troika, o pior do protectorado é precisamente isto: pôr as pessoas a duvidar de si próprias e das virtualidades da democracia. mas é precisamente esta a melhor razão para que ninguém lhes torne a vida mais fácil.