Assim andamos

Com discrição, Mário Draghi será alcandorado, na próxima semana, a presidente do BCE e por lá ficará, inamovível, por oito anos.

é mesmo assim: terça-feira passada o próximo presidente do bce foi a exame na comissão de economia do parlamento europeu. mário draghi é um homem experiente, com um largo curriculum quer nas finanças públicas quer na banca privada. não há, portanto, um problema de competência no nomeado para substituir trichet. mesmo quando interrogado sobre o seu passado enquanto responsável europeu da goldman sachs, a instituição que ensinou à direita grega algumas das aldrabices contabilísticas que agora estão a ser cobradas a pão e sal, o italiano não se saiu mal. ou fala verdade ou mente muito bem.

os problemas com mário draghi são os do cargo que vai ocupar. a presidência do banco central é a mais importante cadeira da ue. quem a ocupa manda mais do que qualquer presidente de comissão europeia. manda mais, até, do que a chanceler alemã. esta é a conclusão que se pode tirar do conflito em curso sobre a reestruturação da dívida grega. angela merkel, com o apoio de alguns governos, quer envolver os credores na solução da tragédia e dilatar os prazos de reembolso dos títulos de dívida, de modo a permitir ao país respirar um pouco da cura fatal que lhe está a ser aplicada. merkel tem do seu lado um apoio de peso, o do presidente da zona euro. mas esta ‘frente de realismo’ não pesa um caracol face à intransigência do bce, que recusa qualquer reestruturação envolvendo os credores (até porque é o primeiro deles). como explicou o indigitado e futuro presidente, há que «evitar qualquer risco de contágio».

com discrição, mário draghi será alcandorado, na próxima semana, a presidente do bce e por lá ficará, inamovível, por oito anos. os governos indigitaram e os europarlamentares confirmarão a criatura por voto secreto na próxima semana. e pronto, já está e não se fala mais disso. o prenúncio da decisão ocorreu na referida comissão de economia. depois de uma audição onde respondeu sempre dentro da cartilha – o mandato do bce é a estabilidade de preços e nada mais – discutiu-se a prestação. um verde definiu muito bem a pessoa em causa: «é o católico mais ortodoxo que conheci». está cheio de razão: draghi ofusca trichet porque explica o que o outro apenas anuncia. contudo, boa parte dos verdes acabará por votar no italiano… porque no bce «o que se requer é competência técnica e não política». já com os socialistas as dificuldades foram notórias porque a ortodoxia do nomeado se apresentou como uma fortaleza inexpugnável. sucede que a incomodidade vale menos do que a lógica de ‘bloco central’. embora com defecções, os socialistas votarão no ultraliberal. e o mesmo farão conservadores e direita eurocéptica, radiantes com a criatura. assim se confirmará o verdadeiro ‘senhor europa’… você não o elegeu, mas sempre fica a saber que existe.