O pacote

É trágico que a política económica se reduza à disciplina orçamental e à política monetária.

ao fim de largos meses, o pacote relativo à coordenação económica europeia foi esta semana a votos no parlamento europeu. é composto por seis relatórios de desigual importância. três deles são inteiramente ‘ortodoxos’. incidem sobre o défice e a dívida ‘excessivos’, na linha do pacto de estabilidade e crescimento em vigor. podem ser considerados como modificações aos regulamentos, tornando-os mais estritos e de aplicação automática. a sua lógica é punitiva, quer na fase preventiva, quer na fase correctiva. admitem-se depósitos ou cauções que podem ser transformados em multas caso os estados-membros não cumpram os limites exigidos pelos pec nos prazos estabelecidos. a contradição desta lógica não pode ser mais flagrante: afinal, as sanções pecuniárias agravam os problemas que visam resolver.

a disciplina punitiva só aparentemente é cega. na verdade, os países com superavits comerciais são os que têm menores dificuldades com o défice orçamental e a dívida pública.

as reguadas e sovas de cinto de bruxelas só se aplicam a quem já se encontra em dificuldades. para portugal, é promessa garantida de mais problemas. admitindo por absurdo que os estados e os governos devem ser tratados como crianças – esta é a dinâmica profunda deste modelo de coordenação – podiam, ao menos, os textos admitir uma estratégia de incentivos. mas não, nem isso. neste pacote, o pau dispensa a cenoura. vai dar péssimo resultado.

o único relatório que procura contrariar esta tendência tem a assinatura de elisa ferreira. ele ocupa-se da prevenção dos grandes desequilíbrios macroeconómicos. sobre eles se deveria, aliás, concentrar a coordenação económica de que a europa precisa. o défice e a dívida não são mais importantes do que os excedentes e défices comerciais, o emprego e o desemprego, os desafios de ordem ambiental ou os níveis de investimento público e privado que garantem uma estratégia de crescimento sustentável. este tipo de coordenação abrangente, baseado num painel de indicadores que identifique desequilíbrios internos e externos numa fase precoce, é sensato, razoável e deve ser apoiado. qual é, então, a dificuldade? é que este relatório é o parente pobre de uma coordenação económica que continua a ter no défice e na dívida o seu alfa e o seu ómega.

é trágico que a política económica se reduza à disciplina orçamental e à política monetária. com efeito, os excedentes e os défices comerciais dos estados são, em boa medida, a cara e a coroa de uma moeda sobrevalorizada, o euro. a fractura que se abriu a este propósito na união, está a ser radicalmente agravada pela ditadura do controlo do défice.

para portugal e para a grécia, esta europa, mais do que uma comunidade de destino, começa a transformar-se numa prisão. por este caminho, isto ainda acaba mal.