Regresso à família

Na hora de maior aperto, volta a pedir-se às famílias que assumam o papel que nunca deviam ter deixado de ter, mas que o poder político teimou em desproteger e até castigar.

há uma boa dezena de anos, talvez até um pouco mais, nicolau santos, na sua coluna semanal do caderno economia do expresso, comentava uma proposta de orçamento do estado acabada de entregar na assembleia da república dando-lhe um inspirado título do género ‘divorcie-se, ponha o avô num lar e interne os miúdos num colégio’. mais coisa menos coisa, essa era, de facto, a leitura correcta das opções do governo da altura, analisadas à luz dos benefícios fiscais previstos naquela proposta de lei.

aliás, não era apenas isso: correspondia a uma opção política mais lata, de desinvestimento na família como pólo central e basilar da sociedade, que se instalou não só nesse orçamento do estado em particular mas como uma tendência de anos… de décadas.

o estado, o tal estado-providência ou estado social, preferia investir nas instituições que – com indiscutível responsabilidade, mérito e espírito solidário – recebiam, davam assistência e acompanhavam idosos e crianças, em vez de apostar e incentivar a boa integração e relação inter-geracional no seio familiar.

sinais dos tempos.

na verdade, na última década e meia, muito fruto das modas e dos lóbis pretensamente intelectuais e progressistas, cultivou-se estupidamente um ataque à família e aos seus valores fundamentais, apresentando-se-os como retrógrados e incompatíveis com os direitos e liberdades da modernidade.

erros crassos que se pagaram e continuam a pagar caro.

porque foram generalizados, da parte do estado e não apenas do estado.

o ataque às famílias vingou na sociedade em geral.

as reuniões e encontros de quadros aos fins-de-semana e feriados são um bom (porque mau) exemplo, pela fantasiosa ideia de que o trabalhador ficaria mais motivado e orientado para a produtividade e rentabilidade do seu serviço ou empresa se vivesse neste/a e para este/a como se ele/a fosse a sua verdadeira família.

tretas. trabalho é trabalho e conhaque é conhaque.

aquele trabalhador – do mais alto ao mais baixo posto da hierarquia – é o mesmo que, para o estado ou para as empresas, passou a não ser mais do que um mero número, daqueles com que se fazem os indicadores e os resultados. e só estes importam.

e enquanto assim for, na esmagadora maioria dos casos, essas reuniões ou encontros de quadros são tudo menos produtivas e, por junto, só roubam ainda mais do já muito parco tempo que cada um tem para viver em/a família. com um inevitável preço para os resultados perseguidos… sobretudo futuros.

e quem diz o estado ou as empresas, também diz as escolas.

os pais são chamados a imiscuir-se nos assuntos de gestão e administração das escolas, quase substituindo-se aos professores e a quem tem a responsabilidade de as gerir e administrar.

e os professores são obrigados a passar tempos infindos a cuidar dos filhos dos outros à custa, obviamente, dos seus.

está tudo subvertido.

nem o estado ou a empresa se pode substituir à família, nem os pais se podem substituir à escola, nem vice-versa em qualquer dos casos.

uma notícia desta semana (dn de quarta-feira) dá conta de que pais em dificuldades estão a ‘entregar’ os filhos (às comissões de menores) – era esse o título.

e é chocante.

chocante porque há cada vez mais pais que recorrem às comissões de menores porque não conseguem tomar conta dos filhos ou dar-lhes a assistência mínima – os números lá estão para o confirmar.

ainda mais chocante porque os responsáveis citados – da presidente da comissão de protecção de crianças e jovens de lisboa a um certamente reputado psicólogo especialista na matéria – concluem que os pais, esses que a eles recorrem, «se demitiram completamente das suas responsabilidades» ou do «papel de pais».

é claro que há pais assim e não é novidade. mas não são aqueles que recorrem às comissões de menores. estes, se o fazem, é precisamente porque não se demitiram do papel de pais. não têm é condições para o exercer como devem. e, por isso, reclamam a ajuda de que precisam.

as comissões de menores e instituições com o mesmo fim não podem servir apenas para os casos em que a justiça, às vezes mal e fora de tempo, as chama a intervir – e tantas vezes ‘contra’ a (até por vezes boa) vontade dos pais.

deviam ser elas as primeiras a apoiar os pais que pedem e precisam de ajuda para cuidar das crianças e jovens para cuja protecção essas comissões e instituições foram criadas.

haverá maior protecção para as crianças e jovens do que estarem bem inseridas na respectiva família? é óbvio que não!

o investimento do estado nessas comissões e instituições é indiscutivelmente necessário. mas o investimento nas famílias é-o ainda mais.

por isso, a previsão de menores sacrifícios fiscais para as famílias com mais filhos no programa de governo agora apresentado é, apesar de tudo, um bom sinal.

em tempo de crise, o regresso à família como núcleo central, e, logo, também assistencial e de solidariedade, é inevitável.

evitável era que se tivesse dado cabo dela.