Só um segundo, por favor

Passos Coelho soube aceitar as críticas em catadupa de um conjunto de notáveis personalidades do PSD e do CDS na cena mediática nacional aos sucessivos anúncios de aumento de impostos sem a devida concretização de igual eficácia no que respeita aos cortes na despesa: de Marques Mendes a Manuela Ferreira Leite e a Marcelo Rebelo…

porque as críticas têm razão de ser e não têm necessariamente uma intenção destrutiva.

mas não resistiu a ceder à pressão do pedido de explicações que, quase todos eles e outros mais nos dois partidos da coligação, e a oposição em peso, defendem ser devida sobretudo aos contribuintes portugueses.

porque só assim se explicam, sim, as duas entrevistas que o ministro das finanças se apressou a conceder, no mesmo dia, a uma estação de televisão (sic) e a um jornal diário (público).

vítor gaspar, ao público, reconheceu que se considera «um técnico no lugar de um político».

à sic, confessou-se satisfeito com a hipótese de em 2015 (no final do mandato deste governo) ainda ser ministro das finanças.

gaspar faz lembrar aquele fantasminha da bd, seu homónimo, que é absolutamente diferente dos demais da sua espécie, tem as melhores das intenções, mas não deixa de assustar todos aqueles com quem se cruza.

mas se a intenção das duas entrevistas era colmatar as falhas apontadas ao governo, nomeadamente de défice de explicações e, sobretudo, de incapacidade para actuar na despesa com a eficácia revelada ao nível da receita, falhou.

como bem analisou josé gomes ferreira em resumido comentário à entrevista que tão bem soube conduzir na sic, a principal novidade da mesma foi o anúncio de… mais impostos em 2012, por via da intervenção nos escalões mais baixos do iva.

já no público, a afirmação de gaspar que fez manchete no dia seguinte foi a de que fazer cortes racionais na despesa «não é possível em termos imediatos».

ora, esse é exactamente o problema que tem estado no cerne de todas as críticas ao governo: precisamente porque os seus efeitos não são imediatos é que as medidas de intervenção ao nível dos cortes na despesa são indispensavelmente urgentes. quanto mais tardia for a sua implementação, mais retardados serão os efeitos no reequilíbrio das contas públicas e, consequentemente, mais prolongadas e agravadas serão as medidas que, por via da receita, terão de os compensar, com todos os sacrifícios que implicam para os contribuintes.

vítor gaspar pode ser muito simpático quando recusa reconhecer que o estado vai reduzir os cuidados de saúde no âmbito do sns ou quando qualifica como «maus» os exemplos escolhidos pelo jornalista para ilustrar o que podem esperar os portugueses em matéria de ainda mais agravamentos de impostos em 2012.

e pode habilmente fugir às questões, refugiando-se no «segundo» que pede «por favor» para passar mais uns longos minutos a perorar em linguagem codificada sobre o que mais lhe convém.

mas isso de pouco adianta, sobretudo a quem aguarda, mais do que pelas suas explicações, pelas suas reformas.

e não é por dizer que o que está a ser feito já estava previsto no memorando assinado com a troika que o governo se justifica.

vítor gaspar pode ter falhado no objectivo primordial das suas entrevistas desta semana de explicar como, afinal, todos os sacrifícios que tem vindo a impor aos contribuintes serão apenas um terço do esforço necessário ao reequilíbrio das contas públicas e como vai cortar na despesa os restantes dois terços – porque, em suma, ficámos quase na mesma.

mas o ministro revelou-se muito mais político do que só técnico. como, aliás, se viu na resposta à contestação de rua que há-de vir aí mas que já entrou na agenda e muito mais por culpa das declarações do primeiro-ministro e do ministro dos negócios estrangeiros do que por mérito dos sindicatos ou dos movimentos nas redes sociais.

ao alarmismo antecipado de passos e portas, gaspar contrapôs a tranquilidade que lhe é característica. preferiu, e bem, elogiar a «notável compreensão dos portugueses» e afirmar que não está surpreendido com ela.

só um técnico num lugar político?

só um segundo, por favor…