‘Há miúdos que preferem os meus vídeos aos do Noddy’

Podia chamar-se ‘O que não dizer a um filho’ ou ‘Como irritar os mais pequenos’. Mas não: chama-se simplesmente ‘As Marias’ e as suas protagonistas são as duas filhas do comediante António Raminhos: Maria Rita, de quatro anos, e Maria Inês, de dois.

Os vídeos, que começaram como uma brincadeira no YouTube e no Facebook, acabaram por tornar-se um fenómeno entre os portugueses. Muito graças às 'palhaçadas' do próprio Raminhos, mas também pelas reacções das meninas – que o pai leva aos limites das mais diferentes formas.

Num dos vídeos, Raminhos canta as músicas do filme Frozen, não deixando Maria Rita ouvir, o que desencadeia a fúria da pequena. Noutro, pede à filha Maria Inês que vá à sua procura em todas as divisões da casa (estando ele mesmo à sua frente). E existe ainda uma história de adormecer que envolve as palavras 'badalhoca' e 'gonorreia'.

“O meu preferido ainda não foi publicado na internet”, revela o comediante ao SOL. “Dos que já divulguei, acho que gosto mais do 'Já Passou'“, em que canta a música de Frozen – este conta já mais de 180 mil visualizações no Youtube.

António Raminhos nasceu em 1980 e passou a infância nos Olivais, em Lisboa. Antes de ser comediante foi jornalista e tornou-se conhecido pelos seus sketches no programa 5 Para a Meia-Noite e no Canal Q. Entrou também na série Depois do Adeus e no filme Mau Mau Maria', com Eduardo Madeira e José Pedro Gomes. Agora é um dos concorrentes do programa Dança com as Estrelas, na TVI, no qual continua a recorrer ao humor físico.

O sucesso dos vídeos das Marias foi tal que Raminhos decidiu criar um espectáculo com base neles. O objectivo é, explicou o humorista durante a apresentação do espectáculo, explorar ideias “que muitos pais têm sobre os filhos mas não são capazes de verbalizar”. Será um misto de palestra com stand-up comedy: “Vou estar com uma tela ao lado, com uma apresentação Powerpoint que mostra slides da minha infância. Vou contar a minha história até ao dia em que decidi ser pai e mostrar vídeos novos das Marias”.

A fórmula é apreciada por muitos cibernautas. “Algumas pessoas disseram-me que gostavam de ter um pai como eu. Também há pais que me dizem que os seus miúdos preferem ver estes vídeos em vez do Noddy ou da Princesa Sofia porque gostam de ver as Marias a sofrer”, diz o humorista em tom de brincadeira.

Mas há quem não ache piada aos vídeos publicados por Raminhos na internet. Muitos criticam-no por expor as crianças, mas também pela forma como as trata – num deles, o humorista diz que a filha “é mesmo burra”.

“Isto sou eu a ser eu, mas há pessoas que acham que eu estou a ofender a miúda. Se calhar estas reacções vêm de pessoas que nem sequer são pais”, diz Raminhos. Mas o humorista também tem outra faceta, a protectora. Nesse aspecto considera-se “igual a todos os pais”: “Morro de medo de doenças, de tudo o que lhes possa acontecer, de um dia chegar à escola e ela não estar. A Maria Rita, quando era mais pequena, caiu das escadas e, a cada tombo que ela dava nos degraus, era um pedaço do meu coração que se partia. Foi o momento mais horrível que vivi até hoje”.

Crianças aos berros

Basta fazer uma pesquisa no YouTube para perceber que existem vários pais que gostam de 'se meter' com as crianças e deixá-las à beira de um ataque de nervos.

O apresentador norte-americano Jimmy Kimmel criou uma rubrica no seu programa em que incentiva os pais a enviarem vídeos deles a darem presentes horríveis aos seus filhos ou a fingirem que comeram os seus doces todos. A maioria das crianças começa a chorar ou a gritar, mas os vídeos são muito populares.

Existem também vídeos 'caseiros' que mostram comportamentos semelhantes ao de Raminhos. Num deles, uma criança grita com a mãe porque esta se ri às gargalhadas enquanto a filha tenta cantar uma música do Frozen. Muitos utilizadores usam esta plataforma para expor as discussões que têm com os filhos mais novos – alguns deles parecem mesmo tentar provocar a discussão.

Para o psicólogo Quintino Aires, “a criança de dois anos ainda não é capaz de descodificar a mensagem, ou seja, aquilo que ele diz não tem grande efeito”. No entanto, quando se trata de uma criança de quatro anos, o caso muda de figura. “Esta criança já consegue entender o que lhe é dito. O problema é que não consegue interpretar os humores. As crianças dos quatro aos sete anos não são capazes de ler o subtexto e de interpretar o que lhes é dito”, o que pode levar a muitas confusões.

Quintino Aires acredita que “a intenção [do humorista] não fosse ruim”, mas considera que “não é simpática” a forma como Raminhos se dirige às filhas. “É preferível que não o volte a fazer” pelo bem das crianças, aconselha.

O espectáculo As Marias estreou no passado dia 21, em Oliveira de Frades. Ao SOL, Raminhos comentou a primeira apresentação: “Estava casa cheia. Foi muito emotivo – no final eu próprio estava quase a chorar – porque acaba de uma forma pessoal”. A 9, 10 e 11 de Abril o espectáculo estará no Teatro Armando Cortez, em Lisboa, passando depois pelo Porto e Guimarães. “Basicamente arranjo sempre maneira de não estar em casa a aturar as miúdas”, conclui Raminhos. 

joana.alves@sol.pt