Juízes rejeitaram hipótese de denúncias serem história combinada entre vítimas

O colectivo que julgou o processo Casa Pia rejeitou a hipótese de as denúncias de abusos sexuais serem uma «história» criada pelas vítimas para incriminar os arguidos, argumentando que não existe qualquer história comum a todos

«Uma situação seria, por exemplo, nove jovens acordarem
entre si criar uma história […] que desde o princípio até ao fim fosse
globalmente coincidente e comum a todos»
, referem os juízes no
acórdão entregue hoje aos advogados e a que a Agência Lusa
teve acesso.

Esta tese de história inventada – ou «fantasia»,
como se lhe referiu a defesa do apresentador Carlos Cruz – apresentada
pelas defesas levou o tribunal a avaliar depoimentos, cruzando
declarações de arguidos, assistentes e testemunhas, «para
despistar a possibilidade de tudo isto ter sido uma história criada»
.

Para ser «plano» e «história a contar»,
salienta o colectivo, teria que haver «concordância quanto às
pessoas envolvidas e locais»
e o relato teria que abranger «toda
a multiplicidade de situações que o despacho de pronúncia contempla»
.

Os juízes rejeitam que as vítimas tenham «criado factos e
depoimentos para construírem uma história comum e concordante entre si»

ou «preparado entre si o depoimento de factos que tivessem
vivido, mas atribuindo-os e recriando-os em relação aos arguidos».

Por exemplo, um dos argumentos usados pela defesa do ex-provedor
adjunto da Casa Pia, o arguido Manuel Abrantes, referia-se à maneira
como este foi identificado como abusador. Num dos casos, o jovem
abusado, apesar de ser aluno da Casa Pia, só se referiu a Manuel
Abrantes pelo nome depois de ver o seu nome na comunicação social.

Este facto foi usado pela defesa para alegar que o jovem não
conhecia de facto o ex-provedor e nunca poderia ter tido contacto
directo com ele, uma vez que não sabia o seu nome nem o cargo que
desempenhava.

No entanto, o tribunal lembra que vários adultos funcionários da
Casa Pia que também não identificaram Manuel Abrantes pelo nome ou pela
função, indicando um «conhecimento distante» do
dirigente. Aí, salientam os juízes, trata-se de «pessoas
adultas»
que até teriam «maior dever, possibilidade e
disponibilidade»
para conhecer o ex-provedor, pelo que não
desvalorizaram o testemunho do jovem.

Sol/Lusa