Carpir sobre leite derramado

Há mês e meio, quando a Standard&Poor’s ousou pôr em causa o rating dos Estados Unidos, Barack Obama convocou uma conferência de imprensa para declarar que os EUA têm «uma economia triplo A» e independentemente das apreciações das agências «continuará a ser triplo A».

«não precisamos que nenhuma agência nos venha dizer que temos de reduzir o nosso défice. nós sabemos que o temos de reduzir e vamos reduzi-lo» – palavras do presidente dos estados unidos.

o optimismo de obama foi contrariado pela reacção negativa dos mercados e por muitos e reputados comentadores do mundo inteiro.

mas produziu efeitos.

afinal, os estados unidos são os estados unidos e o presidente americano é o presidente americano.

descontando as diferenças, de escala e demasiadas outras, há sobretudo uma a reter: a de mentalidade.

democratas ou republicanos, com maior ou menor dificuldade, os americanos unem-se em torno dos objectivos comuns e contra as ameaças que recaem sobre o país e o povo… ou a sua economia.

para eles, a crise não é uma fatalidade. é um desafio, que importa enfrentar e ultrapassar.

e aí reside (mais um)a grande diferença.

mais emotivos do que racionais, os portugueses negaram a crise enquanto quiseram e puderam. até para lá de todos os limites.

mas quando se tornou absolutamente impossível continuar a negá-la, mais pessimistas do que pragmáticos, interiorizaram-na como uma fatalidade.

os portugueses olham para a crise como uma deprimente e inultrapassável inevitabilidade e unem-se só quase exclusivamente na carpideireice colectiva.

é fado.

ligar a televisão e seguir um telejornal ou um outro programa de informação ou de debate – que há-os a qualquer hora do dia e da noite e em vários canais – é assistir a um rol infindável de notícias negativas e de comentários catastrofistas.

nos noticiários e nos, aí cada vez menos, programas de informação ou de debate na rádio passa-se exactamente a mesma coisa.

e na imprensa idem.

é só crise e mais crise e más notícias e previsões de fugir.

é tudo mau e assim há-de continuar.

mas, por muito masoquistas que os portugueses sejam, de desgraças está o país abundantemente servido.

e com as carpideiras de serviço, cada vez mais intensivo, não vai a lado algum.

foinotícia esta semana (no diário económico de terça-feira) que cavaco silva tomou a iniciativa de convidar gestores portugueses de top que estão no estrangeiro – entre eles, horta osório e carlos tavares – para os desafiar a promoverem portugal lá fora.

portugal precisa do envolvimento de todos e de quem mais houver – como do ex-presidente brasileiro, lula da silva, que saiu de belém a semana passada com a promessa de servir de embaixador da economia portuguesa no gigante e emergente brasil.

ora, sem desprimor para a iniciativa de cavaco silva, que é indiscutivelmente importante o contributo de quem com poder e influência nos mercados externos, o que também faz falta é haver quem promova o país cá dentro.

é impressionante o rol de críticos, com reputada especialização, que diariamente, quase hora-a-hora, condenam as finanças e a economia nacionais ao fracasso.

ora, portugal tem futuro.

não tem um caminho fácil pela frente – até porque andou demasiado tempo a viver acima das suas reais possibilidades –, mas tem de ter esperança.

os portugueses passaram do estado de negação da crise para um estado de condenação à crise.

não há meio termo nem pragmático realismo.

falar da crise como uma fatalidade é dizer aos portugueses que os sacrifícios que são obrigados a assumir não servem para nada.

se ninguém deu ouvidos aos profetas da desgraça quando devia ter dado, nos dias que correm é que não faz sentido dar-lhes ainda mais voz do que a que entretanto ganharam.

não adianta nada chorar sobre leite derramado e alimentar a depressão colectiva.

quem está à beira do abismo precisa de tudo menos de quem só lhe diz que, faça o que fizer, não conseguirá evitar o passo fatal.