O Facebook tem ouvidos

Se este escriba trabalhasse numa revista do social, vulgo fofoca, destacaria alguém de imediato para pura e simplesmente acompanhar os famosos nas redes sociais.

se no twitter, mesmo com a sua exígua amplitude de caracteres, já se apanham algumas bombas – sobretudo de futebolistas – imagine-se o manancial à disposição de qualquer cusco na rainha do género, o facebook.

para quê combinar supostos apanhados de paparazzi, gastar dinheiro com produções fotográficas ou pagar as despesas de deslocação dos jornalistas quando há pérolas à mão de semear? é que muito boa gente esquece, por assim dizer, que o facebook tem ouvidos, logo – e passe o evidente, como saber quem é amigo de quem – há uma verdadeira telenovela virtual a decorrer ao alcance de um clique. casalinhos que expõem tudo, do animal de estimação ao link directo para a cara-metade. é facílimo descobrir por onde andam, com quem, durante quantas horas, o que fizeram, em que estado de ânimo e, às vezes, com uma pontinha de, vá, sorte, até podemos perceber com que nível de líbido regressaram a casa (e quem é o proprietário da dita).

a tudo isto juntam-se fotografias mais ou menos comprometedoras – e tiradas pelos próprios, outra poupança óptima nestes tempos de crise para a imprensa do meio; desamizades descaradas, desabafos pseudo-existenciais, projectos ao virar da esquina e confissões amorosas de fazer corar um emanuel.

ao contrário de uns poucos, com miguel sousa tavares na camisola amarela, não me parece que o facebook seja o 5.º cavaleiro do apocalipse mas, como em tudo na vida, há que separar o trigo do joio, ter conta, peso e medida e descobrir essa ténue linha da virtude – que costuma estar algures entre o 8 e o 80. para algumas estrelas, estrelinhas e candidatas a starlettes da nossa praça, a discrição e o recato são coisas do século passado, completamente fora de moda. e depois, volta e meia, lá vêm queixar-se de perseguição e gritar aqui d’el rey pelo bom nome e defesa da vida privada. não, estão enganados. de tanto revelar, o famoso vai nu. e até tem sorte que, com divina piedade, a imprensa – antes de mais – lhe coloque uma parra.

ii – quando o golo muda de nome

foi preciso chegar aos 34 anos, acumular clássicos atrás de clássicos, para perceber isto: há jogos em que não gritamos golo, por muita alegria que este nos dê. pensando melhor, tenho que tirar uns anos ao tempo de espera. em bom rigor só gosto de futebol há pouco mais de um quarto de século. recordo bem o asco que tinha pelo desporto-rei quando criança, aqueles tipos em bizarro movimento no ecrã a preto e branco do televisor na casa açoriana. não me diziam nada, rigorosamente, nem o meu discreto pai – cujo clube do coração só soube qual era em plena adolescência (dizia sempre ser dos vilanovenses, uma filial do belenenses, equipa da aldeia beirã onde nasceu e cresceu).

mas algures nos idos da escola primária chegou o dia da conversa inevitável. os coleguinhas começaram a discutir futebol e deixei-me ficar, receoso, para o fim. só ouvia repetir os misteriosos nomes dos três grandes e benfica foi o único cuja sonoridade me agradou. quando chegou a minha vez fiz de conta que era actor e persuadi a turma da minha paixão encarnada muito embora não fizesse a mais pequena ideia sequer de como era o equipamento benfiquista (a tv a preto e branco também não ajudava).

contudo, ao chegar a casa, comecei a investigar. o vermelho tornou-se a minha cor favorita, eusébio um super-herói, mesmo pequenino apreciei saber que o benfica fora o primeiro clube português – em pleno fascismo – a eleger democraticamente a sua direcção, fantasiei com as taças dos campeões e rapidamente tornei-me fanático. desperdicei ao longo da juventude demasiados trocos em jornais desportivos e até lágrimas por acreditar, ingénuo, que a justiça deveria prevalecer no jogo. e, em boa parte graças ao que acontecia no futebol português nas décadas de 80 e 90, ganhei um natural ódio de estimação ao futebol clube do porto. e friso, ao futebol clube.

hoje, menos imaturo, já não sou fanático, apenas ferrenho. e guardo as lágrimas para situações delas verdadeiramente dignas. todavia, e neste último porto-benfica, que vi sozinho em casa e numa calma incomparável – tendo em conta o sofrimento que estas partidas me causavam durante as dores de crescimento, apercebi-me que, contra o fcp, o golo muda de nome. não gritamos esse substantivo redondo e aberto, tradutor de alegria e sucesso, mas sim um igualmente feliz mas também raivoso e contundente toma. e não tenho dúvidas de que o sentimento é mútuo, funciona num sinalagmático e perfeito vice-versa.

portistas e benfiquistas desferindo simbólicos murros uns nos outros, num vaivém de rivalidade ancestral, capaz de assustar vizinhos e animais de estimação. um clássico eterno de boxe invisível, entre toma para cá e tomaaa para lá, que oxalá se mantenha sempre assim: em sentido figurado, pueril e aliviador de tensões várias.

faz todo o sentido que este seja o desporto-rei mas apenas enquanto se mantiver, precisamente, a nobreza.

lfb_77@hotmail.com