Jangada de pedra

Pedi no facebook ideias para uma crónica – esta – sobre a Madeira e Alberto João Jardim, tendo em conta o folhetim em que se transformaram as dívidas da região. Pedi ainda alguma continência verbal, o que sabia antecipadamente não ser fácil porque a criatura inspira. Finalmente, escolhi um tema. «Das desconfianças de lá… às…

de onde vem a popularidade de alberto joão jardim quando explora a identidade madeirense por oposição ao continente? não existe disso nos açores. nem sequer entre minhotos e alentejanos. será a arte de um homem? o josé acha que não, que é história antiga: «é preciso conhecer os madeirenses, principalmente os mais idosos. eles desconfiam genuinamente dos continentais devido a anos de ostracismo e de miséria».

o raul confirma esse sentimento com uma história de família: «quando me lembro que tinha uma tia relativamente instruída e viajada que, quando veio a lisboa e adoeceu, se recusou a tratar-se por não confiar nos médicos do continente…». com um exemplo destes, ninguém se atreve a duvidar. de qualquer modo, ostracismo e miséria não são exclusivos madeirenses. o mesmo raul adianta outra hipótese. ao contrário dos açores, a madeira teve uma classe de comerciantes ricos e uma influência inglesa forte, ambas ligadas à exportação do vinho da madeira. enquanto os açores deram poetas, a madeira teria produzido uma elite belicosa e ciosa da sua independência. verdade? perguntem ao cronista da página ao lado. ele sabe disto bem mais do que eu.

seja como for, a arrogância e a imprevisibilidade do ‘estilo jardim’, popular na ilha, suscita no continente reacções que vão do gozo ao desdém. contudo, a súbita descoberta do buraco financeiro da madeira, que mete a um canto todos os «colossais desvios» invocados por pedro passos coelho para ir a metade do subsídio de natal, está a alterar a relativa bonomia destes olhares. agora impera a pura e simples falta de paciência para a palhaçada. quando escrevi no facebook «aceitam-se ideias», a primeira chegou célere: «esse senhor só me lembra palavrões e asneiras». amplificou o david: «esse senhor ofende-me todos os dias na tv, chama-me analfabeto e ignorante sem me conhecer de lado nenhum». para a fátima, ele «é um mal agradecido». a natália verbaliza o que muitos pensam – «e que tal a independência?» – enquanto a manuela, na peugada da tragédia grega, sugere «que se venda a ilha à arábia saudita ou à china para amortizar a dívida soberana». «alberto joão seria o brinde», remata.

este homem em fim de carreira criou um problema maior do que ele e que portugal bem dispensaria. depois do voto de domingo, a disputa sobre quem deve pagar não vai ter graça nenhuma. porque, de um e de outro modo, é sempre o mexilhão que se lixa.