Esqueçam os subsídios

A reacção contra a suspensão dos subsídios de férias e de Natal dos pensionistas e funcionários públicos acabou por ter eco onde o Governo menos esperava: em Belém.

cavaco silva veio a público atacar a proposta do orçamento do estado para 2012, nesse capítulo, como nunca antes se vira em relação a qualquer outra medida do governo de passos coelho.

ao invocar a «violação de um princípio básico de equidade fiscal» e alegar que em alguns casos já foram «ultrapassados os limites dos sacrifícios» exigidos a alguns contribuintes, o presidente defende abertamente a distribuição do ‘mal pelas aldeias’. na tese de cavaco silva, o governo deveria castigar menos os funcionários públicos e pensionistas e compensar a não redução da despesa por essa via e nessa proporção com o aumento da receita (por via de mais um imposto extraordinário) que afectaria os funcionários do sector privado. contas feitas, em vez de suspender na íntegra os subsídios de férias e de natal apenas dos funcionários públicos, o estado cortaria metade desses subsídios e arrecadaria montante igual ou até mesmo superior por via de receita fiscal extraordinária a incidir sobre os trabalhadores do privado, afectando parte dos respectivos 13.º e 14º meses de retribuição.

opresidente tem obviamente razão, na medida em que, assim, ficaria assegurada uma maior equidade fiscal e seria relativamente minorado o esforço exigido aos trabalhadores da função pública.

acontece, porém, que a proposta do governo tem o objectivo directo e imediato – aliás, repetido pelo ministro vítor gaspar na apresentação do orçamentopara 2012 – de cortar na despesa do estado e compensar por esta via o não despedimento em massa de funcionários públicos – para o qual, como disse gaspar, não há dinheiro. e, por outro lado, tem ainda essa ‘almofada’ de deixar em aberto a hipótese de o governo recorrer a um imposto extraordinário que atinja os subsídios de férias e de natal dos trabalhadores do privado – tal como parcialmente já acontecerá no ano que finda.

porque a verdade é que, ao suspender os subsídios de férias e de natal da função pública e dos pensionistas, o governo está a pôr verdadeiramente em causa a própria existência de um direito adquirido pelos trabalhadores.

que, obviamente, se estenderá – com mais ou menos impacto na receita fiscal – ao sector privado.

note-se, aliás, que o termo usado por passos coelho e por vítor gaspar para anunciar a medida foi ‘suspensão’ dos subsídios de férias e de natal – para vincar o seu carácter transitório e evitar a respectiva inconstitucionalidade e ilegalidade.

ora, se o governo diz que a medida é para vigorar ‘apenas’ durante a vigência do programa da troika, o que faria supor que estaria circunscrita aos próximos dois anos (e gaspar referiu expressamente 2012 e 2013), a verdade é que ninguém acredita que tal programa não tenha de ser estendido no tempo, obviamente com as consequentes contrapartidas.

ou seja, os portugueses vão ter de habituar-se à ideia de que nem tão depressa voltarão a receber 14 vezes ao ano – nem em 2012, nem em 2013, nem num futuro relativamente próximo.

se cavaco silva invoca a quebra da equidade fiscal e a oposição aproveita para avançar no parlamento com propostas mais ou menos oportunistas, refugiando-se no apelo presidencial de melhoria do oe em sede parlamentar, o mais certo é os trabalhadores do privado comerem pela medida dos funcionários públicos e não estes verem os seus sacrifícios reduzidos na exacta proporção dos sacrifícios também impostos àqueles.

e, chegada a hora, bem pode invocar-se a constituição. tal como, aliás, indirectamente já o fez cavaco silva e directamente o afirmou carvalho da silva.

nesta matéria, a constituição está suspensa desde que a um governo de gestão foi reconhecida a capacidade de negociar e fechar os termos do acordo com a troika.

com as contas públicas com mais buracos que um queijo de s. jorge (ou que um suíço, mas a hora é de promover os produtos nacionais), a constituição não é letra morta, mas quase. porque a situação é de emergência. e não se vislumbra alternativa.

é por isso que o orçamento de 2012 é mesmo o mais difícil das últimas e das próximas décadas. porque o que ele verdadeiramente consagra é uma mudança radical no nível e nos hábitos de vida dos portugueses. e à bruta.