sobretudo, desejaria perceber se o arremesso de um ovo era motivo suficiente para tanta polémica relativa à actuação das autoridades – e se o dito cujo estava cozido, mexido, frito, escalfado ou servido a cavalo sobre um lombo (provavelmente de polícia).
no rescaldo desta iniciativa tenho tentado ser árbitro em discussões extremadas: há quem pense que este tipo de indignação, em sentido figurado e até mesmo romântico (de palavras de ordem, cartazes e um ou outro alimento voador), é o caminho a seguir; outros acreditam firmemente que isto só lá vai à grega ou à londrina. tento posicionar-me a meio, ainda sem infelizmente vislumbrar virtude. por um lado, concordo que não é com figurados esqueletos gigantes que vamos assustar quem nos governa, mesmo se estes políticos pouco podem fazer perante as directivas externas e face à herança recebida. por outro, também me parece que falta pêlo na venta aos indignados. mas compreendo-os. é preciso assustar sem destruir. todavia, como fazer isso sem cair no distúrbio selvagem, no motim e na arruaça?
o cinto está a apertar tanto que, receio bem, aproxima-se a hora em que seremos menos indignados simbólicos e mais simbélicos. talvez nos valham os afamados bons costumes. ou não.
ii – um virtual incesto
a seguinte cena peculiar passou-se num bar açoriano e teve como testemunhas o escriba e um pequeno grupo de amigos embasbacados com a perversa ambiguidade da situação.
o pequeno recinto estava cheio de jovens e algazarra. no meio desta destacava-se uma presença insólita: mulher de meia idade, muito produzida, ainda escultural, acompanhada apenas da sua bebida e languidamente encostada ao balcão como se pertencesse ali desde o pecado original.
noutra mesa, bem perto da nossa, 4 adolescentes entreolhavam-se e teciam comentários inaudíveis. um quinto parecia absorto do mundo, concentrado apenas na milf que destoava da fauna habitual. a mulher, entretanto, parecia operar como uma torre de controlo, rodando a cabeça qual radar minucioso a prescrutar a noite.
subitamente, os seus olhares encontraram-se. o puto solitário e a mulher + copo. os colegas do primeiro desatam-se em risinhos nervosos e nós, incautas testemunhas, perguntamo-nos se estaremos de facto a assistir àquilo que pensamos estar a ver. assim parece. um clima de flirt instala-se entre os protagonistas desta dança silenciosa num bar a meio do atlântico até que, por um acaso cósmico, sucede um daqueles silêncios universais que só duram dois segundos e, após uma aparente pergunta de um dos amigos, escutamos a resposta do adolescente, sempre neutro, inexpressivo, com ar de pai de si mesmo, mirando nestes preparos a supracitada mulher: ‘sim… é a minha mãe’.
iii – registo do direito de autor
sobre hipotético anúncio
a acumulação de demasiadas noites seguidas a dormir poucas horas tem levado o escriba a sonhos mais ou menos delirantes. regra geral, acordo de rompante e só consigo recordar uns míseros e incompreensíveis flashes, como se o cérebro só funcionasse ao ritmo do piscar de uma strobe-light típica de discoteca. vão saindo umas polaroids confusas até que o duche ou o pequeno-almoço redimem os neurónios e conduzem-nos, serena mas militarmente, para a luz do dia.
mas ontem sonhei como se escrevesse um guião, com diálogos na coluna da direita, acções na da esquerda, princípio, meio e fim. imaginei um eventual anúncio publicitário – reza assim: começamos com uma panorâmica de ruas infestadas, trânsito matinal intenso; e chegamos em travelling ao nosso protagonista, bufando dentro do carro com o pára-arranca. pensa na vida, não gosta do que vê, tamborila com os dedos no volante. o som é uma cacofonia de motores e buzinas. plano de corte de um semáforo a ficar vermelho mesmo quando o nosso homem a ele chega. mais um esgar de insatisfação, mais demora, mais fumo dos tubos de escape, confusão e stress. enfim, o sinal passa a verde. mas quando o protagonista, com a aparência de um leve sorriso, mete a primeira e arranca, logo apanha um susto de morte com outro veículo que se atravessa à sua frente no cruzamento. pneus a chiar, travagem brusca, impropérios. o outro condutor, que passou sem dever, não reconhece a culpa e ainda insulta o nosso homem que, indignado, baixa o vidro de chofre e estende o braço de fora para dirigir ao energúmeno aquele gesto universal de ofensa que toda a gente conhece e consiste num punho fechado à excepção do dedo do meio. contudo… e por muito que se esforce, o pai-de-todos tremelica e não se levanta. fica a mão numa espécie de rosa pálida e murcha, patética. o nosso homem cabisbaixo.
vai a negro e surge a informação: ‘a disfunção eréctil atinge um em cada 10 portugueses. não faça parte do milhão. antes que seja tarde, procure a solução’.
lfb_77@hotmail.com