Uma nova profissão?

Qualquer pessoa – e são cada vez mais – que navegue pelas redes sociais está habituada a deparar-se com fotos de perfil deste género: a moçoila numa pose de espontaneidade ensaiada, basicamente no único ângulo onde consegue parecer uma fotocópia baça daquilo que gostava de ser, imagem tirada pela própria (aquele clarão no braço esticado…

vem assim o humilde escriba propor uma nova profissão, nicho raro de oportunidade numa era de misérias profissionais: que surja o ff – fotógrafo de facebook, misto de bom samaritano com prestação de serviços, destinado a acumular uns cobres enquanto poupa os músculos sitos nos membros superiores das supracitadas meninas. há decerto empregos piores.

ii – a alegria de viver na ilusão

foi bonita a festa, pá. e melhor mesmo do que os golos bonitos, a emoção ou o dever cumprido, foi aquele momento espontâneo – a poucos minutos do final do portugal-bósnia – em que os 50 mil nas bancadas do estádio da luz desataram a cantar o hino. e isto, tenham paciência, não é nacionalismo bacoco. basta ver o bom exemplo de nuestros hermanos para entender que uma dose q.b. de orgulho não faz mal a país algum. e necessitados disso estamos nós mais do que nunca. custe ou não a uma boa franja intelectual, a verdade verdadinha é que o futebol (além de apaixonar parte mui considerável do planeta) é das poucas áreas das quais nos podemos orgulhar. juntemos-lhe o fado, a literatura, o vinho, o turismo, alguns cientistas, arquitectos e, vá, a cortiça, e não deixamos de ter aqui uma equação que bate por rotundo knock-out a suíça e os seus queijos, canivetes e bancos. podia ser (muito) pior.

podemos, de facto, continuar a viver na ilusão. e isso não é necessariamente mau, pelo contrário (sobretudo nos tempos correntes). é só preciso ter noção de que alemanha, holanda e espanha, pelo menos garantidamente estas, são equipas melhores. e a nossa selecção não tem os mesmos valores de há uns anos. dava jeito um guarda-redes sem ar de veado perdido encadeado pelos faróis, um lateral-direito com as mesmas atitude e raça deste mas 15 centímetros a mais, e um ponta-de-lança sem contrato de usufruto exclusivo com uma única baliza (imagino que a troika não dê o aval aos presumíveis dispendiosos portes de envio da dita cuja rumo à polónia e ucrânia).

contudo, sonhar é grátis – pelo menos enquanto vítor gaspar não marca a próxima conferência de imprensa – e até a dinamarca já ganhou um europeu vinda literalmente de férias. viver da ilusão não enche barriga mas estes são tempos de apertar o cinto. e dispensa parte do cérebro de viver exclusivamente no stress das contas e más notícias. vejamos, por isso, as coisas pelo lado positivo. dom raro nesta era.

ps: ouvir carlos queiroz, logo após o valente desaire na dinamarca, garantir que – com ele – portugal ter-se-ia apurado para o europeu sem ter de passar pela casa do play-off foi um exemplo paradigmático da máxima ‘diz o roto ao nu’. com a agravante do segundo se ter vestido num ápice, e logo de gala. e demonstra aliás, sem necessidade de mais palavras, a fineza de carácter deste eterno génio incompreendido que, nos dois jogos por si orientados, conseguiu perder miseravelmente na noruega e empatar em casa, 4-4 (!), com essa potência chamada chipre.

iii – a alegria de viver na ilusão

não podia ter corrido melhor a minha primeira transacção: comprei o relógio por metade do preço, com direito a factura e 6 meses de garantia, além do meu interlocutor ser educado e simpático. falo de quê? dum negócio através do custo justo – site com mais de meio milhão de anúncios, espécie de loja virtual de penhores chique.

a ideia é muito simples: aquilo que não me interessa pode ser glamouroso para alguém. assim, coloco o anúncio online, de preferência com fotos diversas do objecto, pequena descrição do mesmo, contacto telefónico e email. o interessado mostra interesse, marca-se hora e local e concretiza-se o sinalagma. nem é preciso computador, através de uma simples e eficaz aplicação de telemóvel tudo pode ser tratado enquanto duarte lima esfrega um olho. e assim nasce uma verdadeira economia paralela de pequenos bons negócios, decerto florescente na época da recessão.

nos últimos tempos, o passatempo deste vosso escriba é pesquisar anúncios – com interesses a oscilar num equilíbrio entre artigos vintage e grandes obras literárias ao preço da uva mijona, passando por azulejos viúva lamego (!). há cerca de duas semanas ia tendo um achaque. algures na categoria ‘diversos’, por 12 euros, estava – precisamente como dele me lembro – o brinquedo mais antigo que habita na minha memória. um pequeno camião de plástico, destruído em 1980 aquando do terramoto que arrasou angra do heroísmo. tinha 3 anos, brincava com ele desde o natal, havia uma semana, e vê-lo partir-se é, julgo, a recordação mais antiga da minha vida. se o proprietário soubesse quanto estou disposto a licitar neste leilão nostálgico, já me teria respondido de certezinha, o pulha.

lfb_77@hotmail.com