No entanto, ela move-se!

Que Europa é esta? E que pensa Portugal deste (e de outros) projecto(s)?

refiro-me à europa. ela, de facto, move-se, só que não necessariamente na melhor direcção e muito frequentemente de modo insuficiente e tardio face ao desenrolar dos acontecimentos. mas a europa move-se!

quando vista de portugal, essa ‘agenda europeia’ parece não existir ou, por outras palavras, parece esgotar-se num único objectivo: cumprir os critérios de défice e dívida – é pouco, e é perigoso!

num breve e objectivo balanço da agenda europeia do ano que agora termina, diria que ela foi dominada por três tendências essenciais:

numa notória incapacidade de leitura e antecipação dos acontecimentos, com a consequente ausência de iniciativas tecnicamente robustas e atempadas por parte da comissão europeia; embora haja que reconhecer um período de maior dinamismo, iniciado com o discurso de barroso sobre o estado da união’ (28 de setembro), marcado, por vezes, por matizes algo desesperados de dar ‘prova de vida’.

no peso desproporcionado dos chamados ‘mercados’ face aos seus supostos reguladores e, em particular, face aos estados (muitos deles politicamente fragilizados pelo peso da ‘culpa’ com que o discurso dominante se esforça por os esmagar); durante este ano, a europa deu mesmo um salto dramático na sua curta história, ao admitir que um estado-membro da zona euro poderia tornar-se insolvente, tendo passado a vias de facto com a penalização dos privados que tiveram a ‘insensatez’ de confiar no estado grego e de lhe emprestar dinheiro. em sentido oposto, e fazendo jus ao longo trabalho desenvolvido pelo parlamento europeu, há que saudar a instalação (finalmente!) de reguladores europeus (as três autoridades para a banca, seguros e valores mobiliários), cujos frutos ainda não são suficientemente visíveis e cuja credibilidade será afirmada pela prática.

na observação de dois desequilíbrios institucionais de enorme perigosidade: o primeiro corresponde à ultrapassagem da comissão (a quem cabe a defesa da união europeia) pelo conselho (onde os estados-membros defendem os seus interesses nacionais) nas suas diversas formas; a concorrência, mais do que a cooperação, parece dominar as relações entre barroso e van rompuy, subvertendo completamente o espírito e os objectivos que presidiram ao tratado de lisboa: mais grave, porém, é o facto de hoje (mais do que nunca na história da união europeia) se ter tornado óbvia a disparidade entre estados membros, sendo indisfarçável a dominação da agenda por parte da alemanha, por muito que merkel continue a fazer questão de arrastar sarkozy para a fotografia da liderança.

sob a pressão destas tendências, e reagindo às crises em ‘cimeiras’ sucessivas, a europa vai-se reconstruindo (?) e transformando num novo ‘animal’ que, talvez mais cedo do que pensamos, teremos dificuldade em reconhecer como o do velho projecto europeu da democracia, da solidariedade e do progresso.

esta ‘reformatação da europa’, ajustando-se em clima de permanente emergência às crises sucessivas, faz-se segundo uma agenda neo-liberal que hoje, após a queda dos governos social-democratas que restavam (portugal, grécia e espanha), impõe sem grande margem para dúvida a austeridade como receita e os desequilíbrios internos como inevitáveis. neste clima extraordinário, o natal traz-nos mais um presente envenenado: é que, embora o pacto de estabilidade e crescimento tenha acabado de ser robustecido pela via dita ‘normal’, isto é, com a iniciativa da comissão e a participação do parlamento europeu (o ‘pacote de seis’), o conselho prepara um tratado (a ultimar até março e a assinar entre os estados que o queiram subscrever) que aperta ainda mais a grelha do défice e da dívida, reforçando sanções para incumpridores e colocando nas mãos de estados a possibilidade de levarem outros estados ao tribunal de justiça europeu – assim se assume, na prática, que, dentro da união europeia, filtros sucessivos de exigência libertarão ‘voluntariamente’ o núcleo central (constituído por estados ‘ganhadores’) do ‘fardo’ de arrastarem consigo os ‘perdedores’ (menos competitivos)…

que europa é esta? e que pensa portugal deste (e de outros) projecto(s)? entre o adormecimento dominante e o protesto sem rumo, estamos a hipotecar quotidianamente a nossa capacidade de, enquanto cidadãos, construirmos uma europa que possamos sentir como coisa ‘nossa’. talvez emigrar acabe mesmo por ser a única solução que nos resta… mas não foi daí que viemos?