Registos (XII)

1.Pessoas. Hoje falo de pessoas. Duas que infelizmente desapareceram. Uma que infelizmente quer aparecer. Falar dos mortos com imparcialidade é difícil e pode ser deselegante. Antecipar o aparecimento dos vivos pode ser prematuro. Seja como for, aqui ficam os registos. 

2. Manoel de Oliveira. Era o vulto maior do cinema português e figura incontornável do panorama cultural do século passado. Não sendo do métier, nem um conhecedor – sequer sofrível – da sétima arte, apenas me posso vergar ao veredicto de enorme qualidade prestado ao mestre por múltiplas instâncias internacionais. Existem contudo duas qualidades em que julgo poder ajuizar a sua obra: como consumidor e como financiador. Como mero consumidor confesso que não gosto: os seus filmes sempre me pareceram como aqueles livros muito chatos dos quais não consigo passar da página 23. Como contribuinte/financiador sinto-me perturbado em considerar-se um sucesso uma actividade cinematográfica sem público e que vive totalmente dependente de subsídios. 

3. José da Silva Lopes. Foi uma figura incontornável da cena político-económica nacional dos últimos 50 anos. Os inúmeros obituários já enumeraram os seus múltiplos cargos e variadas contribuições. Até ao início do actual programa de ajustamento, nunca tinha privado de perto com o Dr. Silva Lopes – somos de gerações diferentes e também de escolas distintas. Mas, desde então, ele foi presença assídua nos pequenos-almoços que organizámos na Nova SBE com os representantes de todas as missões da troika a Portugal. Aí pude constatar como, apesar de uma crescente decrepitude física, se mantinha informado e com a mente bem aguçada. Sempre compreendeu muito bem a necessidade do controlo estrutural da despesa pública e do rigor das finanças públicas. Sendo um homem de esquerda e com preocupações sociais, nunca embarcou nas demagogias anti-austeridade. Quero lembrá-lo, não sei se justamente, como alguém que sabia que o sonho sem uma folha de Excel acaba sempre em pesadelo.

4. António Sampaio da Nóvoa. Um mais que certo candidato a Presidente da República, lançado pela esquerda do PS para 'entalar' os centristas e a direcção socialista. Pessoal ou academicamente não o conheço. Politicamente é um daqueles personagens de verbo grandioso mas oco, que prega a indignação e as virtudes e que nos desafia com o realismo de querermos o impossível. As 'folhas de Excel' que abomina apenas traçam as fronteiras do possível. Tentar ignorá-las, como se vê na Grécia, conduz-nos ao suicídio colectivo (mas honrado, dirá).